Os poemas “persas” de Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Quem já viu estes versos, já parou para pensar qual foi a inspiração do célebre poeta recifense Manuel Bandeira? Em um trecho da prosa intitulada Itinerário de Pasárgada, o próprio autor explica: 

“Vou-me Embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda a minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. Estava certo de ter sido em Xenofonte, mas já vasculhei duas ou três vezes a Ciropedia e não encontrei a passagem. O douto Frei Damião Berge Informou-me que Estrabão e Arriano, autores que nunca li, falam na famosa cidade fundada por Ciro, o antigo, no local preciso em que vencera a Astíages. Ficava a sueste de Persépolis. Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas” ou “tesouro dos persas” suscitou na imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias como o “L’Invitation au Voyage” de Baudelaire.(…)

 BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967.
Ruínas de Pasárgada, província de Fars, Irã 
A cidade de Pasárgada, que foi uma das capitais do antigo Império Aquemênida, hoje em dia é um sítio arqueológico localizado a 87 km de Persépolis, na província de Fars no Irã. É um Patrimônio Mundial da UNESCO e também um dos locais mais visitados pelos turistas, porque é lá que se encontram as ruínas do palácio e o monumento que acredita-se abrigar o túmulo do rei Ciro, o Grande. É neste sítio também que estão visíveis ainda as estruturas dos Jardins de Pasárgada, famosos na antiguidade. Sabe-se que os persas tinham grande apreço pelos jardins, que eram considerados como a imagem do paraíso na terra. Daí parece vir a justificativa mais apropriada para o poema de Manuel Bandeira.  

E as referências de Bandeira aos temas persas não param por aí. Um poema bem menos conhecido, mas não menos interessante é o seu ” Gazal em Louvor de Hafiz” publicado em Lira dos Cinquenta Anos (1940): 

Gazal em louvor de Hafiz 

Escuta o gazal que fiz,
darling, em louvor de Hafiz:
– Poeta de Chiraz, teu verso
tuas mágoas e as minhas diz.
Pois no mistério do mundo
também me sinto infeliz.
Falaste: “Amarei constante
aquela que não me quis”.
E as filhas de Samarcanda,
cameleiros e sufis
Ainda repetem os cantos
em que choras e sorris.
As bem-amadas ingratas
são pó; tu vives, Hafiz!

O poeta Hafiz, ou Hafez de Shiraz, já é um velho conhecido dos leitores deste blog. E sobre o gênero poético Gazal, encontrei no site Recanto das Letras, esta definição :

“Gazal, ou Gazel, (Ghazal, Ghazel) é um poema lírico de forma fixa de origem árabe, de cunho amoroso e místico, de forma leve, que surgiu no final do séc VII.  

“É impossível falar em gazal sem nomear o poeta persa Hafiz (falecido em 1389/90), que o revitalizou ao escrever toda a sua poesia em gazais. Ele ficou célebre pela melodia dos seus poemas de tal modo que o seu túmulo se tornou um local de romaria e meditação. Escreveu uma poesia melancólica, cheia “do efêmero de todas as coisas e do enigma irresolúvel do universo”. Este foi o grande poeta das ausências, das partidas, das separações. Desde Hafiz é que se tornou costume o poeta colocar seu nome no final dos poemas. Goethe, escritor alemão romântico, escreveu um gazal, introduzindo-o, assim, na Europa.”

Além de Manuel Bandeira,  no Brasil, outros autores brasileiros de renome fizeram referências a literatura clássica persa nos anos 40 e 50, como Aurélio Buarque de Hollanda e Cecília Meireles (no poema “3º Motivo da Rosa“). Muito provavelmente as obras persas chegaram ao Brasil mediante as traduções inglesas e sobretudo francesas, a partir das quais foram traduzidas para o português.

Este post tem 0 comentários

  1. Unknown

    Grande Manuel Bandeira! Desde a primeira vez que li esse poema eu quis ir embora pra Pasárgada. Hahaha. A graça que ele tem se acentuou depois que me interessei pela cultura persa.

  2. Janaina Elias

    Salam Alana! Esse poema sempre me despertou minha curiosidade para saber onde era Pasárgada também! Olha que se você for nessa viagem dificilmente irá querer voltar! 😀

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