No último sábado (14/10/2023), uma notícia trágica para o cinema iraniano. O renomado cineasta Dariush Mehrjui e sua esposa foram encontrado mortos em sua residência perto de Teerã.
Dariush Mehrjui foi um membro fundador do movimento New Wave do cinema iraniano, junto com Nasser Taqvai e Masoud Kimiai no início da década de 1970. A maioria de seus filmes foram inspirados pela literatura e adaptados de romances e peças iranianas e estrangeiras. Ele introduziu o realismo e o simbolismo no cinema iraniano e seus filmes abordaram especialmente temáticas sociais e urbanas. Enfrentou a censura desde o início de sua carreira, e antes da nova geração de cineastas como Abbas Kiarostami, Jafar Panahi e Asghar Farhadi, ele foi um dos diretores iranianos mais aclamados internacionalmente.
Para os amantes das artes e do cinema, a morte trágica de Dariush Mehrjui, cineasta que tanto contribuiu para a história do novo cinema iraniano, deixa um sentimento de grande pesar. Amigos iranianos expressaram o acontecimento em suas redes sociais como o “dia em que o cinema morreu”. 🖤🥀
No post de hoje, vamos recordar a trajetória e as principais obras do diretor:
O início, antes da carreira no cinema
Dariush Mehrjui, nasceu em 1939, de uma família de classe média em Teerã. Desde muito jovem, ele se interessava pelas artes e passava muito tempo indo ao cinema, onde via principalmente filmes americanos. Mas, o filme que mais o impactou quando criança, foi Ladrões de Bicicletas (1948), do diretor italiano Vittorio De Sica. Aos 12 anos, construiu um projetor de 35 mm, alugou filmes de duas bobinas e começou a vender ingressos para amigos da vizinhança.
Em 1959, Mehrjui mudou-se para os Estados Unidos para estudar no Departamento de Cinema da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA). Um de seus professores foi Jean Renoir, a quem creditou por ensiná-lo a trabalhar com atores. Porém, insatisfeito com o ensino do departamento de cinema, ele mudou sua especialização para filosofia e se formou na UCLA em 1964.
Em 1964, Mehrjui iniciou sua própria revista literária, a Pars Review. A intenção da revista era levar a literatura persa contemporânea aos leitores ocidentais. Nessa época escreveu seu primeiro roteiro com a intenção de filmá-lo no Irã.
De volta a Teerã, em 1965, começou a trabalhar como jornalista e roteirista. De 1966 a 1968, foi professor no Centro de Estudos de Línguas Estrangeiras de Teerã, onde deu aulas de literatura e língua inglesa. Ele também deu palestras sobre filmes e literatura no Centro de Estudos Audiovisuais da Universidade de Teerã.

Estreia no cinema: da censura ao reconhecimento internacional
Dariush Mehrjui fez sua estreia no cinema em 1966 com Diamond 33, uma paródia da série de filmes de James Bond que não obteve muito sucesso na época.
Mas seu segundo filme, Gāv (“A Vaca”), de 1969, trouxe-lhe reconhecimento nacional e internacional e foi o marco inicial do movimento New Wave do cinema iraniano. Este filme, adaptado da obra do escritor Gholamhossein Saedi, , conta a história de Mash Hassan (interpretado por Ezatollah Entezami), um camponês que ao perder sua preciosa vaca, entra em um luto doloroso e começa a assumir completamente a identidade do animal.
Antes de seu lançamento em 1970, Gāv foi censurado por mais de um ano pelo Ministério da Cultura e Artes, apesar de ser um dos dois primeiros filmes no Irã a receber fundos do governo. Provavelmente, porque Saedi, amigo e colaborador de Mehrjui, era uma figura controversa no Irã. Seu trabalho era muito crítico com o governo Pahlavi, e ele havia sido detido 16 vezes.
Em 1971, o filme foi contrabandeado do Irã e apresentado no Festival de Cinema de Veneza, onde, mesmo sem programação ou legendas, tornou-se o maior evento do festival daquele ano e ganhou o Prêmio Internacional de Crítica.
Em 1970, Mehrjui filmou o drama policial Postchi (“O Carteiro”), baseado na obra do escritor alemão Karl Georg Büchner. Este filme conta a história de Taghi (Ali Nassirian), um funcionário público infeliz que vive nas terras de seu patrão com sua bela esposa, tem sua vida transformada num caos, e acaba por cometer um assassinato.
Postchi enfrentou os mesmos problemas de censura que Gāv, mas finalmente foi lançado em 1972. Foi exibido no Irã no 1º Festival Internacional de Cinema de Teerã e no Festival de Cinema Sepas. Também obteve reconhecimento internacional, tendo sido exibido nos Festivais de Veneza, Berlim e Cannes.
Em 1973, Mehrjui começou a dirigir aquele que seria seu filme mais aclamado, Dayere-ye Mina (“O Ciclo”) que aborda o mercado negro e o tráfico ilícito de sangue no Irã, baseado em uma peça de Golamhossein Saedi. Neste filme, o jovem Ali (Saeed Kangarani), traz seu pai gravemente enfermo para Teerã em busca de tratamento médico, mas sem poder pagar, recorre a doações de sangue ilegais em troca de dinheiro.
Este filme foi co-patrocinado pelo Ministério da Cultura, mas encontrou oposição do sistema médico iraniano e foi proibido por três anos, até finalmente ser lançado em 1977, mas estreou em Paris e depois foi lançado internacionalmente, onde recebeu ótimas críticas e foi comparado a Los Olvidados, de Luis Buñuel, e Accattone, de Pier Paolo Pasolini. O filme ganhou o Prêmio Fédération Internationale de la Presse Cinématographique no Festival de Cinema de Berlim em 1978.

A carreira cinematográfica de Dariush Mehrjui no Irã após a Revolução de 1979
Mehrjui afirmou que ele “participou com entusiasmo na Revolução de 1979, e durante um tempo viu o que parecia ser um florescimento da liberdade artística no país”. No entanto, o governo de Khomeini iria impor as suas próprias regras de censura no Irã, especialmente em conformidade com a lei islâmica.
Em 1980, Mehrjui dirigiu Hayat-e Poshti Madrese-ye Adl-e Afagh (A escola que frequentamos), baseado na obra de Fereydun Dustdar. Estrelado pelos aclamados atores Ezzatollah Entezami e Ali Nassirian, o filme sobre um grupo de estudantes do ensino médio que unem forças e se rebelam contra o autoritário e abusivo diretor da escola, foi patrocinado pelo Instituto Iraniano para o Desenvolvimento Intelectual de Crianças e Jovens Adultos, cujo departamento de cinema foi co-fundado por Abbas Kiarostami.
Entre 1980 e 1985, Mehrjui permaneceu na França onde dirigiu o documentário “Viagem ao país de Rimbaud”. Posteriormente, o diretor retornou ao Irã onde retomou sua carreira cinematográfica sob o novo regime.
Em Hamoun (1989), retrato de um intelectual cuja vida está desmoronando, Mehrjui procurou retratar a virada pós-revolucionária de sua geração, da política para o misticismo. Foi eleito o melhor filme iraniano de todos os tempos pelos leitores e colaboradores do jornal iraniano Film Monthly.
Durante os anos 1990, Mehrjui começou a exploar personagens femininas em seus filmes. Em 1995, filmou Pari, uma adaptação cinematográfica não autorizada do livro de J. D. Salinger, Franny and Zooey. Seu filme seguinte, Leila, de 1997, estrelando Leila Hatami, conta a história de uma esposa estéril, cujo marido é pressionado pela mãe a ter um segundo casamento para garantir sua descendência. Em 1998, o filme Derakht-e Golabi (“A Pereira”), estrelando Golshifteh Farahani e Homayoun Ershadi, narra a história de um escritor que sofrendo de bloqueio criativo, viaja para o interior onde recorda o amor de sua adolescência.
Seu último filme, intitulado La Minor, sobre o drama de uma jovem musicista, lançado em 2019, sofreu censura por parte das autoridades iranianas, o que levou o diretor a se manifestar. Em março de 2022, protestou Mehrjui:
“Eu não aguento mais (…). Protestarei no Ministério da Cultura com meus assistentes. Não vou desistir até conseguir.” (Fonte: RFERL)

O que se sabe sobre a morte do cineasta Dariush Mehrjui?
No sábado, 14 de outubro, o diretor Dariush Mehrjui, 83 anos, foi encontrado morto junto com sua esposa a roteirista e cenógrafa, Vahideh Mohammadifar, 54, em sua própria residência em Karaj, a 40 km de Teerã.
“Durante a investigação preliminar, descobrimos que Dariush Mehrjui e sua mulher, Vahideh Mohammadifar, foram assassinados com múltiplas facadas no pescoço”, anunciou o chefe da Justiça da província de Alborz, perto de Teerã, Hussein Fazeli-Harikandi, citado pela agência de Justiça Mizan Online.
Ele relatou que o cineasta havia enviado uma mensagem à sua filha Mona, por volta das 21h (horário local), para convidá-la para jantar em sua casa em Karaj, cidade a cerca de 40 quilômetros da capital. Quando chegou, uma hora e meia depois, descobriu os corpos de seus pais com ferimentos fatais no pescoço.
Em entrevista publicada neste domingo pelo jornal Etemad, a mulher do cineasta dizia ter recebido ameaças e que sua casa havia sido roubada.
Fonte: Estadão (publicado em 15/10/2023
🔎 Fontes:
IMDb | Iran Chamber Society | Wikipedia – Dariush Mehrjui – Acessos em: 16/10/2023
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Filmes de Dariush Mehrjui legendados:
“A Vaca”, 1969 (Legendado em português)
“O Carteiro” , 1970 (Legendado em inglês)
Pari , 1995 (Legendado em inglês)
Leila , 1997 (Legendado em espanhol)
“A Pereira” , 1998 (Legendado em inglês)