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Pintura do palácio Hasht Behesht, da Era Safávida (séc. XVIII) |
No Irã atual, as mulheres são obrigadas a vestir-se modestamente, mantendo os cabelos cobertos e usando roupas compridas e largas para ocultar a forma do corpo. Mas há aquelas que são ousadas o suficiente para desprezar código de vestimenta da República Islâmica, correndo o risco de serem multadas, presas, e pior, até açoitadas. Mas mesmo com a ameaça de penalizações, muitas jovens iranianas trocaram o chador negro e vestidos compridos e disformes por lenços coloridos e mantôs levemente ajustados ao corpo e na altura do joelho. Atualmente esse é o código de vestimenta obrigatório para as iranianas e mulheres estrangeiras que visitam o Irã, mas nem sempre foi assim na história persa.
A Moda na Antiga Pérsia
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Trajes masculinos da Pérsia antiga |
Em todo o mundo antigo, incluindo a Pérsia, homens e mulheres usavam maquiagem, jóias e adornos além de vestes elaboradas e coloridas. Ao invés de serem separadas por gênero, as roupas eram separadas pela classe social. Cerca de 2.500 anos de costumes e tradições já haviam sido estabelecidas no antigo Oriente Médio, quando a dinastia aquemênida foi fundada (séc. VI a.C.). Embora o persas tenham incorporado a moda assírias, babilônicas e egípcia em sua cultura, eles também desenvolveram seus próprios estilos.
Contudo, no início do Império Persa havia pouca distinção entre roupas para homens e mulheres. Os materiais mais comumente usados eram algodão e linho. Peles de animais e couro eram amplamente utilizados, e a maioria das famílias produzia sua própria lã que as mulheres eram encarregadas de tecer. Com o enriquecimento do Império Persa, aumentou a demanda por tecidos mais nobres, como a seda vinda da China, ornamentações elaboradas, corantes raros e intrincados desenhos pintados à mão. Fios de ouro e prata e outras cores como o lápis-lazúli azul, verde oliva, azul-turquesa e vários tons de marrom eram freqüentemente usados. Entretanto, o roxo veio a ser associado com a realeza, enquanto o branco tornou-se uma cor religiosa.
A cultura helenística introduzida na Pérsia por Alexandre, o Grande e a dinastia selêucida que se seguiu, tornou os trajes gregos populares entre os persas. Da mesma forma, os gregos também foram influenciados pelos trajes persas. No entanto, foi somente com o domínio dos Partos que a moda persa se tornou popular em todo o continente asiático. Na dinastia seguinte, dos Sassânidas, houve uma retaliação contra as influências estrangeiras, que estabeleceu um período de grande esplendor da cultura e arte persa. Os membros das classes superiores tornaram-se extremamente ricos e ornamentavam-se com requintada elegância.
Origem do uso do Véu na Pérsia
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O véu já fazia parte da cultura do Oriente Próximo antes do Islã |
O véu tem uma longa história no antigo Oriente Próximo, bem como na culturas do Mediterrâneo e ao contrário da crença popular, apareceu vários séculos antes do Islã. Os reis assírios foram os primeiros a isolarem suas mulheres em um harém real e a introduzirem o uso do véu no Oriente Médio. No entanto, prostitutas e escravas, eram proibidas de usar o véu. Além do Oriente Médio, haviam mulheres que viviam veladas e isoladas também na Grécia clássica, no mundo cristão bizantino, na Pérsia e entre as castas mais altas na Índia. A chegada dos árabes e do islamismo na Pérsia alterou drasticamente a configuração religiosa e social, mas houve poucas mudanças nos estilos de roupas em geral.
Ao contrário dos tempos modernos, os primeiros muçulmanos não eram excessivamente preocupados com vestuário feminino, na verdade, a prática de cobrir as mulheres decorre de costumes regionais, com a difusão do Islã por todo o mundo antigo. Foi somente a partir do séc. II que o véu islâmico se tornou comum para as mulheres muçulmanas.
Mesmo assim, apenas algumas mulheres das classes urbanas se cobriam e viviam em reclusão. A maioria, que eram mulheres rurais e nômades, não usavam o véu e o traje persa manteve-se mais ou menos o mesmo durante todo o século XII. Como descrito nos contos das
Mil e Uma Noites, as mulheres durante o período abássida usavam um casaco aberto na frente sobre o vestido, e um lenço ou cinto amarrado na cintura. Mais tarde, a invasão dos turcos e mongóis da Ásia Central introduziu o bordado na Pérsia. Entre os séculos XVI e XVIII, durante a dinastia Safávida, a moda persa retomou modelos da antiga Pérsia para livrar o país de influências turcas. As mulheres começaram a usar calças compridas, amarradas nos tornozelos e um vestido sobre as calças.
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A moda persa sofreu poucas mudanças com a chegada do Islã |
Homens e mulheres também usavam uma espécie de manto como parte de seu traje público. A corte real e as mulheres nobres começaram a usar o véu e segregar-se do público durante a última parte da dinastia Safávida. Enquanto isso o primeiro chador que não era preto mas com diferentes padrões de acordo com as regiões, foi usado na Pérsia a partir do século XVI. O chador totalmente preto só surgiu no final do século XVIII e entre as classes superiores. No campo, as mulheres sempre usaram véus com estampas brilhantes e coloridas para proteger os cabelos enquanto trabalhavam.
Modernidade e Ocidentalização
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Traje feminino da era Qajar, influência européia |
Com o passar dos anos o uso do véu tornou-se mais difundido na Pérsia. No entanto, os persas não eram imunes às influências da moda européia. No século XIX muitos iranianos viajavam pela Europa e Extremo Oriente, trazendo para seu país tendências estrangeiras e contemporâneas. Por exemplo, durante a dinastia Qajar, o governante Nasser-al-Din Shah, após ter assistido a um espetáculo de balé durante uma viagem à Europa, ordenou que as mulheres de seu harém usassem saias curtas inspiradas nas bailarinas europeias. O governante, modernista, Reza Shah também encorajou os iranianos a usar roupas europeias durante a dinastia Pahlavi. Além disso, ele acreditava que o código de vestimenta islâmico e o hejab limitavam a modernização do país e proibiu o uso do chador. Em 1936, ele ordenou que a polícia arrancasse à força os véus das mulheres que os usavam em público.
A ordem do xá causou um grande alvoroço, principalmente entre muitas mulheres iranianas que viam no véu um sinal de virtude, proteção e respeito. Diante deste decreto aberrante, muitas mulheres optaram por permanecer em suas casas durante meses. Outras, no entanto, ignoraram a lei e continuaram a cobrir-se com o chador. As iranianas consideradas mais cultas e modernas no entanto, abraçaram a nova moda ocidental. Embora o filho de Reza Shah, Mohammad Reza Pahlavi, tivesse retirado a proibição do chador na sua época apenas um número muito limitado de mulheres usavam esse tipo de véu. Na verdade, pouco antes de a Revolução Islâmica no final de 1970, os estilos de roupas nas ruas do Irã eram muito semelhantes aos de Paris ou Londres.
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Iranianas nos anos 30, forçadas a abandonar o chador |
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Estudantes iranianas nos anos 70, antes da Revolução Islâmica |
A Revolução e a Volta do Hejab
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O chador é um símbolo da religiosidade e não uma veste obrigatória |
A Revolução Islâmica ocorreu em 1979 e causou uma grande reviravolta na vida dos iranianos. Um novo governo islâmico estava agora no comando, e ele viu a ocidentalização do país como um fenômeno negativo. Logo veio a imposição de um hejab mais conservador que o novo governo alegou, ser uma forma de demonstrar a singularidade e superioridade da cultura do país, ao invés de permitir que ele seja visto como atrasado e inferior para a cultura do ocidente. Mais uma vez as mulheres se levantaram em protesto contra a nova decisão sobre o seu traje, mas as suas manifestações não foram bem-sucedidas na prevenção da imposição do hejab.
Hoje em dia, as mulheres iranianas permanecem divididas sobre o tema do hejab. Para algumas, o rígido código de vestuário continua a ser uma marca da opressão e estas encontram maneiras de se rebelar contra ele usando maquiagem exagerada e acessórios da moda sob seus mantôs. Porém, há outras que vêem no véu obrigatório um sinal de respeito e virtude Há também aquelas que vem o uso do hejab como um sinal de integração, pois no passado ao usá-lo, as mulheres eram autorizadas a circular mais livremente do lado de fora de suas casas e buscar a vida profissional e pública. Da mesma forma, ao usar o hejab as mulheres se sentiram capazes de frequentar áreas que antes eram fechadas para elas, tais como cursos, grupos de discussão e atividades religiosas. As conservadoras vêem a vestimenta islâmica como uma forma de protege-las do assédio sexual e objetificação de seus corpos.
Por fim, uma mescla de tradição e modernidade, do religioso e do secular, essa tem sido a moda iraniana. E por sinal vai continuar assim por muitos anos, assim como o país luta para combinar suas necessidades de uma identidade étnica e religiosa, juntamente com a sua necessidade de progresso e modernização.
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A moda iraniana atual, entre o conservadorismo e a modernização |
(Adaptado do artigo de Naw Diana Htoo para o site IranDokht)
Salam, Jana Jan!
Gostei muito do tom do verde…E da moda atual, meio "rebelde". rsrsrsrsr
Você tem acompanhado o clima político no Irã? Parece que há um candidato muito conservador querendo ganhar fama.
Um abraço.
Salam azizam Denise!
Eu acredito que o que torna o mundo mais belo é a capacidade que alguns tem de ousar e outros de manter suas tradições. Não sou a favor do conservadorismo extremo nem da banalização da liberdade, mas cabe a cada um achar o seu ponto de equilibrio né?
Tenho acompanhado somente de relance o clima político no Irã, mas não temos como julgar até que ponto esse tal conservador será bom ou prejudicial para seu país…