 |
Mesquita Nasir ol Molk, Shiraz (Foto do site: Muslim Heritage) |
Salam amigos! Qual foi a cor da sua roupa durante a virada do ano? Branco simbolizando a paz, amarelo, o dinheiro, ou vermelho, o amor, etc. Você sabia que não é só em nossa cultura que existem estes simbolismos? No post de hoje vamos conhecer a importância de determinadas cores na cultura iraniana.
Como podes ver o vermelho, o verde e o escarlate
A menos que primeiro vejas a luz?
Quando tua vista é ofuscada por cores,
Essas cores velam de ti a luz.
Mas quando a noite vela essa cores de ti,
Percebes que só são vistas por meio da luz
“Ver a luz”, na linguagem metafórica da poesia, equivale a descobrir verdades que antes eram ocultas. Em persa, quando alguém é considerado muito inteligente ou perspicaz, ele ou ela é chamado de
roshan, o que para nós poderia ser traduzido como “brilhante”. O amarelo, associado a luz do sol (rei dos astros) e ao leão (rei dos animais) é considerado como a cor da sabedoria, conexão com o divino e também do poder. É por isso que o antigo símbolo da bandeira do império persa era formado pelo sol e pelo leão de cor amarela. (Veja também o post:
Breve história da bandeira iraniana)
 |
Representação do antigo emblema do Império Persa no Palácio de Golestan, em Teerã (Foto: Frans Lanting)
|
Com a chegada do islã, a bandeira iraniana ganhou outro simbolismo. Dentro da mística islâmica, a cor verde, representa o mais alto nível de pureza e santidade. Tendo como exemplo o misterioso profeta Hazrat-e Khezr (ou Khidr), que é recordado como o “místico do manto sempre verde”, e assim como todos os santos xiitas como o Ali, Hassan e Hossein, sempre trajam o manto ou turbante verde.
Enquanto a cor preta, é lembrada como símbolo de luto e ausência, seu contexto também pode variar:
A pinta do rosto de lua da amada e a semente da pimenteira são negras. Ambas podem queimar, mas oh, quanta diferença!
Ditado popular persa
Na literatura islâmica persa, o preto também é a cor da revolução e do renascimento, recordando que somente da mais profunda escuridão, que pode nascer a luz mais brilhante. De fato, as cores são um elemento primordial de toda a literatura persa mística. No poema
Haft Peykar (As Sete Belezas) de Nezami Ganjavi (1141-1209), os sete planos da elevação espiritual aparecem como sete domos com sete cores diferentes, cada uma representando um dos sete planetas celestiais.
 |
O Príncipe e Bahram Gur no salão dos Sete Domos, ilustração do poema Haft Peykar de Nezami Ganjavi (1410)
|
As cores secundárias, também podem representar a fusão de significados atribuídos aos matizes que as compõem. Assim, a cor laranja representa o desejo,porque ela nasce da mistura entre o vermelho (da paixão), e o amarelo (também símbolo do medo). Por sua vez, o roxo representa a nobreza, porque nasce da mistura entre o vermelho (querer) e do azul (confiar).
✺ Palavras e expressões
A palavra persa para “cor” é rang. Além da literatura e das tradições, o sentido simbólico das cores, está muito presente na linguagem cotidiana do povo iraniano. Eis alguns exemplos de palavras e expressões “cheias de cores”:
A expressão rang va bu (também pronunciada como rango bu, literalmente, “cor e aroma”) poderia ser traduzida como a natureza ou característica de uma determinada coisa. Por exemplo, rango buy-e-Iran , significa algo que contém uma certa “essência iraniana”.
Por outro lado, a expressão bi rang va boo (literalmente, “sem cor nem cheiro”) significa alguma coisa “sem graça”.
Rang va ruy (literalmente, “cor e expressão”) se refere a uma “pessoa de saúde perfeita”.
Por sua vez rang parideh (literalmente, “cor pálida”) significa uma “pessoa pálida e doente”.
Rang be rang shodan( lit. “indo de cor em cor”), significa mudança da cor da face para vermelho, sinal de embaraço e timidez.
Khahi nashavi rosvaa, hamrang-e jamaa’at sho, significa literalmente, “Se você não quer aparecer demais, torne-se da mesma cor das outras pessoas”. Provérbio persa equivalente a “Em Roma, como os romanos”.
 |
Preto e branco nos trajes tradicionais dos homens das tribos nômades Bakhtiari |
Os opostos siyâh (branco) e sefid (preto) também originam muitas expressões em persa:
Sefid bakht (“sorte branca”) e siyâh ruz (“dia negro”) ou siyâh bakht (“sorte negra”) significam respectivamente “boa e má sorte”.
Tâ muhât mesl-e dandunât sefid besheh (lit., “até seu cabelo se tornar branco como seus dentes”) significa, um longo período de sofrimento.
Balâtar az siyâhi rangi nist (lit.”não há cor depois/além do preto”) significa a “coragem de resistir até a morte”.
✺ As cores da poesia persa
 |
Representação do Div-e Sepid (demônio branco), do Shahnameh, arte digital de Hamid Rahmanian |
Não podemos esquecer que a língua persa é ricamente “colorida” pelo seu arsenal poético. Na poesia moderna, o termo
she’r sepid, passou a designar a “poesia branca”, ou “nova poesia” (alusão aos versos brancos, ou seja, não rimados). Na poesia clássica, o poeta
Ferdowsi, também utiliza a cor como metáfora em muitas passagens do épico
Shahnameh. Curiosamente, nesta obra, a cor branca assume muitas vezes um significado negativo como no caso dos
Div-e Sepid (lit. “demônios brancos”), que eram entidades associadas à morte e também o termo
dideh sepid (lit.”vista branca”), significando cegueira.
Outro poeta clássico persa, cuja obra é repleta de cores é sem dúvida,
Hafez. Em sua poesia, as cores vermelho e escarlate símbolo do amor e da paixão, são recorrentes, aludindo também às rosas e ao vinho que ele tanto estimava. Mas foi a “pinta preta” do rosto de alguma donzela que fez ele “causar” na corte do imperador Tamerlão:
Se essa beleza Shirazi faz atrair o meu coração
Eu daria Samarcanda e Bucara por sua pinta preta
Hafez
Estes são apenas alguns exemplos do uso das cores na literatura persa, poderíamos citar muitos outros mas isto renderia mais outro post…
 |
O uso das cores nos trajes tradicionais das mulheres gilaki, província de Gilan, no norte do Irã |
Poderíamos citar ainda muitos exemplos da importância das cores nas artes e nos costumes iranianos. Os tapetes persas, que utilizam corantes extraídos da natureza. A arquitetura persa que é rica em simbolismos cromáticos, com suas cúpulas azuis representando o céu. As cores dos trajes folclóricos, especialmente das camponesas gilakis do norte do Irã, e das nômades ghashgais do sul, e dos vilarejos do Curdistão onde as mulheres precisam estar sempre visíveis para se manter em segurança na aridez das montanhas. O açafrão que empresta sua linda cor dourada às refeições do povo iraniano… O cinema iraniano, com os filmes “
A cor do Paraíso“, “
O Balão Branco” e muito mais….
 |
Cena do filme Gabbeh (1996), dirigido por Mohsen Makhmalbaf |
Para finalizar, quer saber o nome de todas as cores em persa? Então
clica aqui!
Adaptado de Payvand
Parabéns pelo maravilhoso trabalho. Você me tirou uma enorme dúvida que ninguém conseguia esclarecer e eu não havia encontrado a resposta, que era sobre a cor verde no islã, pois percebi que muitas mesquitas são pintadas de verde, no Paquistão, Índia e Caxemira, além da bandeira também ter a cor verde. Percebi também que a cor verde é levada muito a sério no Irã quando vi a polícia religiosa repreendendo garotas que se vestiam de verde.
Abraços!!!
Salam Star! Saudades de vc por aqui! 🙂
Na verdade a importância da cor verde no islã é ainda muito maior do que o que eu descrevi aqui. Ela também é lembrada como a "cor do Paraíso", no sul do Irã as noivas trajam esta cor, e tantas atribuições místicas que poderíamos escrever um post só sobre ela. Sobre a questão da polícia religiosa repreender as pessoas que trajavam verde, isso foi durante um movimento político intitulado "Movimento Verde" cujo intuito era o protesto contra a reeleição do então presidente Ahmadinejad em 2009. Acredite, na época que eu viajei para o Irã, a cor que mais usei em minhas roupas foi o verde e nem me lembrava desse episódio político, até alguém ver a cor do meu esmalte de unha e falar do tal movimento, mas com certo bom humor…
Abraços e um ótimo ano para você!
Salam minha amiga da Persia!! Obrigada 🙂 Mesmo não comentando com frequência estou sempre te companhando!! Muito obrigada pelas informações! Não sabia que a cor verde àquela época estava ligada a protestos políticos. Me recordo que você tem um lindo lenço verde com alguns escritos. E sobre o esmalte, que bom que não passou de um episódio, digamos, engraçado!
Abraços e ótimo ano para você também!!