“O rei Yunan e o sábio Duban”, uma fábula sobre confiança

“O Rei Yunan e o Sábio Duban”
Ilustração de Ludwig Burger (1825–1884).

As fábulas e histórias são as manifestações mais importantes e famosas da literatura oral, que juntamente com outras formas clássicas de literatura, refletem a cultura de uma nação ou etnia. Os contos folclóricos apesar de sua simplicidade, contém uma volumoso corpo de crenças, pensamentos, rituais e tradições. Por ser um país de grandes dimensões, o Irã abriga uma grande diversidade de etnias e possui um folclore riquíssimo e uma literatura oral bastante voltada para a promoção dos valores morais da sociedade. Vamos conhecer um história tirada do livro  As Mil e Uma Noites, cujos personagens também são conhecidos como Malek Yunan e o sábio Hakim Ruyan, e muitas outras versões: 

Havia na cidade de Fars, na terra de Rum, um rei que se chamava Yunan. Este rei sofria de uma grave doença de pele mas nenhum dos médicos do país havia encontrado a cura para aliviá-lo. Certo dia, um velho sábio chamado Duban que tinha o conhecimento das línguas grega, árabe, persa, romana e siríaca chegou à corte do rei e disse: “Eu posso te curar em pouquíssimo tempo e sem o uso de nenhum medicamento”. O rei Yunan ficou muito surpreso e disse, “Se você estiver dizendo a verdade, eu te darei o que você desejar.”O sábio Duban curvou-se diante do rei e disse: “Eu retornarei amanhã.” No dia seguinte, o sábio voltou ao palácio com uma bola e um taco de polo em suas mãos. E voltando-se para o rei, disse: “Monte em seu cavalo e vá para o campo. Arremesse a bola até que sua mão e seu braço fiquem aquecidos. Então volte ao palácio, tome um banho e depois descanse. Quando você acordar estará completamente curado.”
Yunan seguiu as instruções. E ao acordar não havia nenhum sinal da doença sobre sua pele. Ele gritou de alegria e ordenou que chamassem Duban. Ao ver o sábio, o rei se levantou de seu trono e o abraçou dizendo: “Ó grande sábio, eu devo a você a minha saúde.” Então convidou o sábio para comer junto com ele e o tratou com muita bondade e pediu que trouxessem moedas de ouro e presentes preciosos para ele. Duban, tomou todas as moedas e presentes e fez uma oração pelo rei. O rei pediu que ele retornasse ao palácio no dia seguinte, e assim eles se tornaram amigos.
Mas Yunan tinha um vizir invejoso. Quando este viu o apreço do rei pelo sábio, planejou arruinar a amizade deles. Então, um dia ele disse ao rei: “Ó grande soberano! Eu estou entre os seus servos de maior confiança, então me senti no dever de alertá-lo do perigo que te cerca.” Yunan indagou surpreso: “Qual é o perigo, meu caro vizir?” Disse o vizir: “É que aquele a quem tratas como amigo, na verdade é o vosso inimigo.” O rei levantou-se do trono e indagou perplexo: “Quem é o meu inimigo então?” E o vizir respondeu: “Ninguém mais do que Duban! Ele pretende te matar.”
Yunan ficou furioso: “O que você está dizendo? Duban salvou a minha vida. Se eu der a ele toda a minha riqueza, jamais poderia compensar todo o bem que ele me fez. Você o inveja e quer que eu o mande matar para que depois me arrependa.” O vizir disse decepcionado: “Ó majestade, eu não quero nada além do seu bem. Por isso insisto que Duban é seu inimigo. Se ele não for morto, ele é quem irá te matar algum dia.” 
Isto deixou o rei desconcertado. Então ele voltou-se para o vizir e disse: “Talvez você esteja certo. Ele pode ser meu inimigo, porque é um homem poderoso. Ele curou minha doença, então da mesma forma pode me matar facilmente.” Sentindo que suas palavras atingiram em cheio ao rei, o vizir disse: “Estou contente que vossa majestade tenha se dado conta do perigo que o ameaça.”
O rei Yunan convocou o sábio até o palácio e inquiriu: “Você sabe por que eu o convoquei?” Duban respondeu: “Majestade, como eu poderia saber?”  Vociferou o rei: “Eu o convoquei justamente para declarar a sua sentença de morte.”  Incrédulo, o sábio indagou: “O que eu fiz de errado?” Ao que o rei  respondeu: “Você sabe muito bem! Você é um espião e esta tentando me matar!”
Duban começou a chorar “Ó grande rei, essa é a recompensa pela minha boa ação?”   Yunan disse: “Se eu não te matar, você irá me matar!” Então o carrasco se aproximou e aguardou o comando do rei. Duban caiu de joelhos e implorou:“Tenha piedade! Eu sou inocente!” Mas o rei, estava indiferente a seus apelos. Até mesmo um dos cortesões chegou a pedir que Yunan perdoasse o sábio, mas ele gritou ferozmente: “Você não vê como ele me curou apenas me dando um taco e polo? Ele não poderia me matar apenas me dando uma flor e mandando que eu a cheirasse?” O sábio entendeu que o rei não voltaria atrás, então teve uma última ideia para se salvar.  E disse ao rei: “Eu estou pronto para morrer, mas tenho um último pedido. Deixe-me ir até minha casa e trazer um presente valioso para vossa majestade.” Yunan quis saber: “Que presente valioso é esse?” Duban respondeu: “É um livro mágico. Aquele que após a minha morte ler três linhas de sua página esquerda, a minha própria cabeça irá falar com ele e responderá todas as suas perguntas.” Yunan concordou e o sábio foi para casa escoltado por um guarda.
“Duban respondeu:“É um livro mágico. Aquele que após a minha morte ler…a minha própria cabeça irá falar com ele e responderá todas as suas perguntas.” (Arte de Elizabeth Vidler)

Três dias depois, Duban retornou com o livro e uma pequena vasilha com algum tipo de pó. Ele entregou o livro ao rei e disse: “Após me matar, ponha minha cabeça em uma bacia cheia deste pó e esfregue-a até que o sangramento pare. Então abra o livro e leia as três linhas de sua página esquerda. Pergunte para minha cabeça qualquer coisa que desejar saber.”
Yunan olhou para o livro e começou a folheá-lo, mas as páginas pareciam grudadas. Ele molhou o dedo e tentou novamente. Finalmente conseguiu passar cinco páginas, mas elas estavam em branco. Então disse o rei: “Mas estas páginas estão em branco.” Ao que o sábio respondeu: “Majestade, tente outra vez.”
Yunan molhou novamente o dedo e dessa vez folheou umas dez páginas. Estas páginas também estavam em branco. Furioso, o rei estava a ponto de dizer algo, mas de repente teve uma vertigem, ficou pálido e caiu duro no chão. As páginas do livro estavam envenenadas, e afetaram a língua do rei, enquanto ele molhava o dedo para tentar folheá-lo. E assim ele foi assassinado.
E o povo deste reino passou a dizer: “Se o rei Yunan tivesse decidido poupar o sábio Duban, ele mesmo não teria sido morto.”

Moral da história: “o médico que pode curar, também pode envenenar”, ou ainda, “nunca morda a mão que te alimenta”. Embora possa parecer clichê, a história nos adverte para sermos gratos a quem nos ajuda, ao invés de nos deixarmos levar por suspeitas infundadas. Outras lições que podemos tirar são: que devemos nos esforçar para separar a influência dos outros de nossas opiniões pessoais sempre que enfrentamos uma decisão difícil e, que devemos confiar nos outros, mas ter cuidado para não confiar demais. Em suma, devemos nutrir nosso próprio poder de julgamento e não depender das opiniões alheias.
Adaptado de IRIB 

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