Quem foi o poeta Saadi de Shiraz?

Salam amigos! Hoje, 21 de Abril (1° de Ordibehesht no calendário persa), é o dia que os iranianos dedicam a um de seus maiores poetas. Vamos conhecer um pouco da vida e obra do poeta Saadi também conhecido como Saadi de Shiraz.

Vida:  um poeta que viajou em busca da sabedoria 


Saadi Shirazi (cujo nome de nascimento era Abu Muhammad Muslihuddin bin Abdullah) nasceu em 1213 na cidade de Shiraz. É considerado um dos principais poetas persas do período medieval, reconhecido não só pela qualidade de sua obra, mas também pela profundidade de sua sensibilidade social.
Muito jovem, Saadi saiu de sua cidade natal para estudar literatura árabe e ciências islâmicas em Bagdá. O período conturbado que se seguiu após a invasão mongol o levou a viajar pela Anatólia, Síria, Egito e Iraque. Suas obras também indicam que ele viajou pela Índia e Ásia Central. 
Saadi conviveu com as pessoas comuns, sobreviventes do massacre promovido pelos mongóis e se reunia até altas horas da noite trocando conhecimentos com mercadores, granjeiros, religiosos, andarilhos, ladrões e sufis mendicantes. Durante vinte anos ou mais, prosseguiu com sua rotina  de sermões, advertências, lições que se tornaram pérolas de sabedoria.
Saadi é recebido pelo jovem de Kashgar na conferência em Bukhara, iluminara do manuscrito Gulistan, séc. XVI | Wikimedia Commons

Quando regressou a  Shiraz já em sua maturidade, a cidade sob o governo de Atabak Abubakr Sa’d ibn Zangy (1231-1260) desfrutava de um período de relativa tranquilidade. Saadi não só foi bem recebido como ganhou o respeito do governador e foi designado entre os grandes da província. A partir daí adotou seu nome literário em homenagem ao governador Sa’d ibn Zangi para quem compôs também alguns dos mais belos panegíricos como gesto de gratidão, que foram incluídos no início de sua obra Bustan. Acredita-se que Saadi passou o resto de sua vida em Shiraz, onde faleceu em 1291.
O mausoléu do poeta Saadi em Shiraz | Wikimedia Commons
O túmulo original de Saadi, em Shiraz, conhecido como Saadieh , foi construído no século XIII,  e reconstruído no século XVII. O edifício atual foi construído entre 1950 e 1952 com projeto do arquiteto Mohsen Foroughi e é inspirado no palácio Chehel Sotoun de Isfahan, com uma fusão de elementos arquitetônicos antigos e modernos. Ao redor da tumba nas paredes estão sete versos dos poemas de Saadi.

Obra: o Mestre do Discurso

Saadi é amplamente reconhecido como um dos maiores poetas da tradição literária clássica, ganhando o apelido de Ostâd-e Sokhan, “O Mestre do Discurso” entre os estudiosos persas.
Suas obras mais conhecidas são  Bustan (O Pomar), 1257 e  Gulistan (Jardim das Rosas), 1258. O Bustan escrito inteiramente em versos rimados, consiste em histórias que ilustram as virtudes recomendadas aos muçulmanos assim como reflexões sobre as práticas dos dervixes.
O Gulistan escrito principalmente em prosa, contem historias e anedotas pessoais. O texto está intercalado com uma variedade de poemas curtos que incluem aforismos, advertências e reflexões humorísticas.
“Saadi no jardim das rosas”, iluminura do séc. XVII | Wikimedia Commons

Além do Bustan e do Gulistan, Saadi também escreveu quatro livros de poemas de amor (ghazals) e vários poemas mono-rima mais longos (qasidas) em persa e árabe. Há também quadras (rubai) e peças curtas, e algumas obras menores em prosa e poesia.
A mistura peculiar de gentileza e cinismo, humor e seriedade na obra de Saadi, fazem dele um dos poetas mais encantadores da cultura persa. 

Um dia, caí sobre um punhado de argila perfumada,
Vinda do meu Amado.
Inebriado pelo perfume, perguntei:
“Es almíscar ou âmbar gris?”
A argila respondeu:
Não passo de um mero punhado de argila,
Mas associei-me a uma rosa.
A virtude da minha companheira
Exerceu sobre mim sua influência,
Embora eu permaneça
A mesma argila que sempre fui.

Retrato do poeta Saadi (autor desconhecido)

Uma noite chorava eu amargamente minha vida desperdiçada, e decidi, enfim, renunciar aos prazeres absurdos e ao tempo perdido. Ficar sentado a um canto, surdo e mudo, vale mais que ser escravo de uma língua indomável. Veio um amigo e tentou levar-me para os prazeres da cidade, mas recusei. Disse-me ele, então:

Enquanto ainda possuis
O poder da palavra,
Utiliza-o no regozijo e na alegria!
Amanhã quando vier o anjo da morte,
Não terás outra escolha senão o silêncio.


Mais tarde fomos passear nos jardins. Ele colhia flores e eu lhe disse: “não há permanência nas flores; o que não dura não merece devoção. Ele perguntou: “O que devo fazer” Respondi: “Vou compor um livro, O jardim das Rosas, que não perecerá”.

Leva uma rosa do jardim,
Ela durará alguns dias.
Leva uma pétala do meu Jardim das Rosas,
Ela durará a Eternidade.


Conto 1, do Livro IV – Das vantagens do silêncio

Conversando com um amigo, eu lhe disse: “Calo-me deliberadamente, pois parece-me que o bem e  mal vêm sobretudo da palavra e que nossos inimigos se apegam ao mal”. Ele respondeu: “O maior inimigo é aquele que não vê o bem”.



O homem perverso, ao ver o homem piedoso,
Trata-o como insolente mentiroso.
Para aquele que cultiva preconceitos,
O mérito é um grande defeito.
Saadi é uma rosa; mas é um espinho
Aos olhos dos seus inimigos.
O sol que ilumina o mundo
É detestável aos olhos da toupeira.


Conselho 110, do Livro VIII – Da conquista da sociedade


Perguntaram a um sábio: “Deus criou várias espécies diferentes de árvores e as fez carregarem-se de frutos e multiplicaram-se. Entretanto, nenhuma delas é chamada ‘livre’ como o cipreste. Qual a razão?” Ele respondeu: “Toda árvore floresce, dá frutos e seca segundo as exigências das estações, salvo o cipreste, que está sempre verde e fresco: tal é condição daquilo que é livre”.



Não ates teu coração a valores transitórios.
Por muito tempo depois dos califas,
O tigre continuará a correr em Bagdá.
Se podes, sê generoso como a tâmara;
Se não podes, então sê como o cipreste: livre.

(Traduções: Rosangela Tibúrcio, Beatriz Vieira, Sergio Rizek, a partir da versão de Omar Ali-Shah)

A influência mundial do poeta Saadi

Juntamente com Rumi e Hafez, Saadi é considerado um dos três maiores escritores do gênero ghazal da poesia persa. 
Seu livro, Bustan, foi classificado como um dos 100 maiores livros de todos os tempos pelo jornal britânico The Guardian.
Na entrada da sede da ONU em Nova York, há um grande tapete persa e ao lado dele estão inscritos os versos do poema de Saadi conhecido como Bani Adam (“Os Filhos de Adão” ou “Os Seres Humanos”):

“Os filhos de Adão são membros de um só corpo,
Criados de uma só essência.
Quando um destes membros se machuca,
Os outros também sentem sua dor.
Você, que não sente a dor do próximo,
Não é digno de se chamar humano.

(Tradução nossa)

Tapete persa com inscrição do poema de Saadi, na sede da ONU em Nova York | Wikimedia Commons

O poema Bani Adam também foi usado pela banda de rock britânica Coldplay em sua música بنی آدم, com o título escrito em persa. A música é apresentada em seu álbum de 2019, Everyday Life.

🔎Fontes: 

Acessos em: 21/04/2023

Dicas de Leitura: 

📗 Gulistan: O Jardim das Rosas por Saadi de Shiraz (Ed. Attar, 2015) 

Única tradução da obra de Saadi traduzida para o português.
📕 El Bustan por Saadi de Shiraz, tradução de Omar Ali Shah (Ed. Sufi, 2020) 
Tradução da obra de Saadi para o espanhol (formato Kindle).

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