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O que vem a sua mente quando ouve a palavra maniqueísmo? Costuma-se dizer que é a eterna oposição do bem contra o mal. Mas você sabe de onde surgiu este conceito?
Na última metade do séc. III, o sábio persa Mani (ou Manés), fundou uma religião sincrética que aspirava ser a verdadeira síntese das maiores religiões conhecidas naquele tempo, unindo o dualismo zoroastriano, o folclore babilônio, a ética budista e elementos judaico-cristãos. Mani era um gnóstico e acreditava na salvação pelo conhecimento. O maniqueísmo professava ser uma religião da razão pura; explicando a origem, composição e futuro do universo e proclamando ter uma resposta para todas as coisas.
Este dualismo pregava a existência do bem e do mal. Um “deus bom”, representando o espiritual e a luz; e o “deus mau” representando o material e escuridão, igualmente eternos e poderosos. O deus bom é responsável pelas mentes e almas dos humanos. O deus-mal é o guardião dos corpos, paixões e emoções humanas. Os seres humanos são um mero campo de batalha ente os dois deuses , uma vez que são feitos de matéria e espírito, os princípios básicos dos dois deuses. Os maniqueístas são ensinados a evitar o materialismo, as paixões e as emoções e a lutar para se tornarem plenamente espirituais e racionais. Aqueles que se tornarem espirituais e racionais podem converter seus corpos após a morte e retornar para o céu. Aqueles que continuarem conectados à matéria e as paixões estão condenados a continuar em um ciclo de renascimentos físicos.
Na prática, os maniqueístas evitavam comer carne e manter relações sexuais, e sua alimentação consistia em vegetais considerados “do bem” como melões e rabanetes. A meta final da vida para o maniqueísta era manter a luz e a escuridão separadas, conceitos que foram emprestados dos zoroastrianos. Aqueles que se devotarem inteiramente nesta tarefa são os “Eleitos” ou “Perfeitos”, aqueles que aceitaram a doutrina mas são incapazes de se abster dos prazeres terrenos, se tornam leigos ou “Ouvintes”. Eles seguiam os Dez Mandamentos de Mani, que proibiam a idolatria, a mentira, a cobiça, os assassinatos, a fornicação, o roubo e a sedução ao engano, a magia, a hipocrisia e a indiferença religiosa. Também haviam orações e jejuns, assim como deveres comuns a todos.
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Representação artística do sábio persa Mani (Maniqueu) |
Mani (ou Maniqueu na forma latinizada) é mais um título e termo respeitoso do que um nome pessoal. Sua origem é provavelmente do babilônio-aramaico Mânâ, cujo significado é “Espírito de Luz” ou “Rei da Luz”. Ele nasceu de uma família nobre por volta do ano 215 d.C, no vilarejo de Mardinu em Ecbatana (hoje Hamadan, no Irã). Seu pai que era um um homem de fortes convicções religiosas, deixou Ecbatana para se juntar aos puritanos do sul da Babilônia, os Mandeus Batistas que educaram seu filho. Mani recebeu sua primeira revelação aos doze anos pelo anjo Eltaum (ou Tamiel na tradição judaica), mas ele ainda precisou esperar mais doze anos antes de iniciar sua pregação pública exercendo o ofício de pintor. A literatura maniqueísta afirma que Mani proclamou seu novo destino na residência real, Jundaishapur, no dia da coroação de Shapur I em 242 d.C, quando uma grande multidão de todas as partes se reuniu. Segundo os relatos, ele teria dito: “assim como Buda veio para a Índia, Zoroastro para a Pérsia e Jesus para as terras do Ocidente, veio agora esta profecia para mim, o Mani, para as terras da Babilônia.”
Após um curto período de sucesso Mani foi compelido a deixar seu país. Por muitos anos, ele viajou por outras terras, fundando comunidades maniqueístas no Turquestão chinês e na Índia. Quando finalmente ele retornou para a Pérsia, teve sucesso em converter o irmão do rei Shapur, Peroz, e dedicou ao rei um de seus mais importantes trabalhos, o “Shapurikan”. Peroz obteve uma audiência com Shapur I para Mani, mas o encontro ocorreu mal e ele foi forçado a deixar o país e condenado à prisão perpétua, sendo libertado após a morte de Shapur em 274. O novo rei Ormuzd I era favorável a Mani, mas seu reinado foi curto, e em 276 (ou 277), seu sucessor Bahram I, mandou crucificá-lo e perseguiu seus seguidores com ferocidade, antes mesmo que os romanos iniciassem sua onda de perseguições.
Apesar das perseguições em sua terra natal, a doutrina se espalhou com sucesso pelos países ao leste da Pérsia. O historiador iraniano Biruni no ano 1000 menciona, “a maioria dos turcos orientais, os habitantes da China e Tibet, e muitos na Índia pertencem a religião de Mani”. Uma geração após a morte de Mani, seus seguidores se estabeleceram por toda a Costa de Malabar. Eles se espalharam pela China e Turquestão e a seita se tornou popular entre os cristãos, que como resultado sofreram perseguições da Igreja. Eles eram missionários sucedidos e recrutaram muitas pessoas influentes como Santo Agostinho e Júlia de Antioquia. Eles também conseguiram muitos seguidores no Egito e outras partes do império Romano Oriental que se tornou Bizâncio. Ganharam o apoio das classes mais altas da sociedade e com quatro séculos plantaram comunidades da Espanha à China. O maniqueísmo influenciou e competiu com outras religiões maiores da época em tal extensão que os historiadores se referem a ela como “uma das maiores forças na história da religião”.
Há evidencias da ligação entre o maniqueísmo e o cristianismo, e outros movimentos sectários medievais como os albigenses e os cátaros, e posteriormente a ordem dos Cavaleiros Templários e a ordem mística dos Rosacruzes. Também há sugestões de conexões com a sociedade secreta conhecida como Maçonaria, embora não exista evidência concreta. No contexto dos estudos iranianos, os textos descobertos também indicam que a literatura mística persa ou Sufi, produzida após a conquista islâmica é uma continuação da literatura mística maniqueísta traduzida para o persa moderno. Apesar de sua grande influência, esta religião, é pouco conhecida em sua terra natal, o Irã, onde fica sua sede denominada Igreja Matriz. No site da Santa e Antiga Igreja Maniqueista é possível encontrar mais informações sobre como esta religião é praticada atualmente, com seguidores inclusive no Brasil.
Adaptado de Culture of Iran