Viagem ao Irã: De Karaj à Teerã

Torre Azadi, Teerã

Salam amigos da Pérsia! Em primeiro lugar quero pedir desculpas pela demora em atualizar o blog neste período exaustivo de final de ano. Mas finalmente no post de hoje  vou narrar o episódio da minha saga rumo à capital do Irã!
📆 Karaj, 10/09/2013: 
Minha primeira manhã na casa de minha família em Karaj. Afsaneh me acordou às 7h, porque o dia ia ser longo. Afinal a hora de voltar para casa estava chegando e eu ainda não havia visitado Teerã. Após o desjejum matinal saímos de casa sob a manhã ensolarada. Pegamos um taxi e uma lotação até a estação de trem de Karaj. Seria minha primeira viagem de trem no Irã! Como era um dia de semana, a estação estava lotada e sem a ajuda de Afsaneh eu não conseguiria nem sair do lugar. Os bilhetes de duas viagens custam em torno de 550 tomans (algo como 50 centavos) uma bagatela que me impressionou em comparação com o valor do nosso transporte público. 
Os trens me surpreenderam, eram modernos, os vagões tinham dois andares e os das extremidades eram reservados só para mulheres. Eu e Afsaneh obviamente entramos em um desses no andar de cima. As cadeiras são dividas em duas fileiras de três. Ao nosso lado estavam uma mãe com sua filhinha ruiva e uma moça carregada de livros em francês. As pessoas olhavam com simpatia quando eu e Afsaneh conversávamos em “portunhol”, mas não faziam tantas perguntas. Senti que ali o efeito khareji era menor. Pela janela de um trem, a paisagem iraniana não me pareceu tão diferente da região metropolitana de São Paulo  a não ser pela cadeia de montanhas áridas e acinzentadas no horizonte.

Estação de trem em Karaj (Imagem: NORINCO International)

Nos vagões, embora seja proibido, as mulheres vendem de tudo. Roupas íntimas, doces, salgadinhos, maquilagem, bugigangas made in china e bijuterias que lembram aquelas dos camelôs da Rua 25 de Março. Elas empurram sem dó. É tudo tão barato que as meninas se debruçam como loucas para ver as mercadorias que as vendedoras como num passe de mágica puxam de dentro de suas bolsas ou debaixo de seus chadores. Havia uma senhora  vendendo um pão, que Afsaneh queria muito que eu provasse. Como eu só tinha notas grandes na minha bolsa, aconteceu algo incrível. Todas as moças que estavam sentadas do nosso lado começaram a juntar os trocados para que eu provasse aquele pão! Porém no instante que a senhora ia me entregar o pão, o trem chegou na estação, a porta abriu e ela desesperada quase vai embora e nos deixa sem o pão. Sorte que Afsaneh correu atrás dela e conseguiu alcançá-la antes que saísse do vagão! O pão era mesmo macio e delicioso com uma cobertura adocicada de ovos e serviu para matar a nossa fome ao longo do trajeto de uma hora entre Karaj e Teerã.

Chegando em Teerã fizemos a baldeação para o  metrô. Não é tão diferente do nosso. As linhas tem a mesmas cores e as pessoas tem as mesmas caras cansadas também. Dentro do vagão algumas moças deixam o véu cair livremente mostrando seus cabelos sempre bem cuidados, volumosos e estilosos com franjas grandes e mechas em várias tonalidades diferentes. Ali também deparamos com a mesma cena das moças vendendo de tudo. Enquanto as meninas experimentavam diferentes tonalidades de lápis de olho, Afsaneh aproveitou para fotografar disfarçadamente um pequeno flagrante dessa cena para mim.

Eu no metro de Teerã…

As moças experimentam os produtos das vendedoras ambulantes..

Finalmente desembarcamos na estação Azadi. Do lado de fora o calor era implacável, o clima seco e a poluição extrema não nos deixa ver as montanhas ao fundo. Pude ver a silhueta da Torre Milad ao longe encoberta pela bruma. Antes do nosso passeio, Afsaneh foi resolver resolver uns assuntos burocráticos em um escritório onde era necessário entrar de chador e eu fiquei esperando  por ela em um ponto de ônibus vazio. Como os assentos de metal aquela altura se igualavam a chapas de fritar fiquei sentada em um murinho na sombra, olhando para a rua e fazendo anotações em meu caderninho.
Quando Afsaneh voltou fomos visitar o nosso primeiro destino, a maravilhosa Torre Azadi. Após atravessar a rua onde os carros passam a centímetros da gente sem atropelar, entramos na grande praça onde se localiza o principal marco da cidade de Teerã. Este monumento histórico foi erigido em 1971 em comemoração aos 2.500 anos do Império Persa, e antigamente era chamada de Torre Shahyad (“Memorial dos Reis”). Como ele se situa na praça que foi o palco da Revolução, em 1979 ela passou a se chamar Azadi (“Liberdade”). O jovem arquiteto bahai, Hossein Amanat que a projetou, foi escolhido em um concurso promovido pela rainha. A beleza singular da Torre Azadi com seus 45 metros de altura, resulta da combinação de elementos arquitetônicos do período Sassânida e da arquitetura islâmica. Seu exterior é inteiramente revestido de mármore branco de Isfahan, à noite ela é iluminada por um jogo de luzes que infelizmente eu não tive a oportunidade de ver. 
Quando passamos por baixo do arco entre as duas pernas da torre, vemos um belíssimo padrão geométrico que se transforma a cada mudança de ângulo. Dentro da torre há um museu que abriga exposições de arte contemporânea, pedras preciosas, instalações interativas moderníssimas, um teatro e um mirante de onde podemos contemplar um maravilhoso panorama de Teerã. Para acessar o alto da torre há um elevador e escadas onde podemos ver a estrutura interior da torre.

A Torre Milad ao fundo, encoberta pela poluição

Eis a Torre Azadi, o grande marco de Teerã!

Lateral da Torre Azadi

Vista  por baixo do arco

Interior da torre, no mirante
Vista panorâmica de Teerã

As ruas de Teerã são apinhadas de motocicletas, táxis e gente por toda a parte. A maioria dos motociclistas não usa capacete e como em outras cidades do Irã, costumam levar na garupa até 2 pessoas na mesma moto! Quando íamos atravessar uma rua eu encarava para eles com medo de ser atropelada, e alguns pensando que estavam sendo paquerados davam piscadinhas marotas para mim.
Em seguida pegamos mais um metro e chegamos na rua onde se localiza o Museu Nacional do Irã ao lado do famoso portão do Bagh-e Melli (Jardim Nacional). Na verdade, são dois o museus,  Museu Arqueológico e o Museu de Artes  (que se encontrava fechado para reformas). Neste caso, visitamos apenas o arqueológico, onde já foi de imensa valia conhecer os artefatos históricos desde cerâmicas da pré-história a esculturas do período Sassânida. A própria entrada do museu representa um arco abobadado tipicamente persa anterior à influencia islâmica. Todas as peças são originais minuciosamente restaurados. Na sala do período Aquemênida podemos ver algumas peças originais de Persépolis, como as figuras de animais guardiães o mural com figuras de soldados e até mesmo um pedaço de uma coluna na sua cor original de granito, fiquei perplexa ao ter que re-imaginar o sítio arqueológico que eu visitara semanas. 
Bagh-e Melli, Teerã

Museu Nacional de Teerã

Arco abobadado, na entrada do Museu Arqueológico

Escultura de touro original restaurada do período Sassânida

Cerâmicas pré-históricas do Irã

Um mural de Persépolis em sua cor original (granito negro)

Uma coluna  original de Persépolis (cortada) 

Depois dessas duas visitas interessantíssimas, paramos para o almoço em um restaurante tradicional. chamado Ayaran. Eu e Afsaneh pedimos o meu kebab favorito de frango, aquele que é servido com arroz e tomate assado. O restaurante tinha uma linda decoração que lembrava tendas nômades. A música ambiente ficava por conta de um telão onde assístiamos a um concerto de Mohammad Reza Shajarian.
Depois do delicioso almoço, fomos visitar o Museu do Cristal e da Cerâmica, que se localiza em uma línda mansão da era Qajar que no passado abrigava a Embaixada do Egito. O acervo é composto por peças como pratos, garrafas, instrumentos médicos. Um dos que mais me chamaram a atenção foram os vasos de lágrimas. Na saída encontramos Ahmad, um rapaz amável, amigo de Afsaneh que foi o motorista de um querido amigo nosso que esteve no Irã no ano passado. Mas com a crise econômica que o Irã enfrenta recentemente, Ahmad teve que vender o carro que usava para trabalhar.

Museu do Cristal e Cerâmica

Interior do Museu do Cristal e Cerâmica

Vasos e garrafas de vidro

Vasos de lágrimas

 Depois de nos despedirmos de Ahmad,  pegamos um outro taxi até o complexo palaciano de Golestan (que em persa significa “Jardim das Rosas”) que foi a residência oficial da dinastia Qajar. Um dos pontos negativos é que atualmente ele parece engolido pelos feiosos edifícios contemporâneos construídos ao redor. Visitamos o terraço conhecido como Takht-e Marmar (“trono de mármore”), onde foram coroados reis de dinastias sucessivas. O próprio trono que ainda existe ali é uma obra de arte, esculpido em mármore de Yazd, sustentando por quatro fileiras de espetaculares estatuetas. Em seguida entramos em um outro terraço intitulado Khalvat Karim Khani que contem um trono menor e uma fonte de mármore, era o local onde o xá Nasser ol Din costumava relaxar e fumar seu geliun.

Palácio de Golestan

Fachadas decoradas com fabulosos azulejos

Takht-e Marmar (“Trono de Mármore”)

Khalvat Karim Khani

Shams ol-Emareh

Por fim adentramos o Talar Salam, um salão real, no qual para entrar temos calçar uma espécie de pantufa de pano sobre os sapatos, para não estragar os preciosos mosaicos que revestem o piso e como de praxe proibido fotografar (já que não temos fotos, veja um tour virtual no final do post). Subimos as escadas e no salão superior cujo teto é revestido por espelhos e lustres que parecem joias vemos um acervo com os artigos finíssimos presenteados pelos embaixadores europeus ao Shah, pinturas do mestre Kamal ol Molk e o próprio trono dourado encrustado de jóias do imperador da Pérsia. 

Outros edifícios famosos que compõem o Palácio de Golestan requerem ingressos separados para visitar. Mas não posso deixar de lado um comentário sobre o Shams ol Emareh, um edifício de beleza estonteante totalmente decorado por azulejos coloridos no exterior. A altura deste palácio  reflete a influência do estilo arquitetônico europeu que começava a ser cobiçado pelo xá da Pérsia. Após a visita do palácio, antes de partir para a habitual loucura do Bazar  ficamos sentadas no jardim ouvindo a relaxante música tradicional persa e observando a cena corriqueira das pessoas que fazem piquenique embaixo das árvores.

Chegamos no Bazar por volta das 16:00. Devo ter dito que no Irã às lojas fecham no período da tarde após o almoço e voltam a abrir mais tarde. Para fazer compras no tumultuado ambiente dos bazares iranianos um turista tem que se preparar psicologicamente. Ao redor do Grande Bazar de Teerã encontramos pessoas que vendem  de tudo que se possa imaginar para sobreviver. Camisas, lenços, meias e carteiras  por menos de 1 dolar. Também não pude deixar de notar algumas mulheres com os trajes típicos do sul pedindo esmolas. O calor é tanto que algumas pessoas desmaiam no meio das calçadas, precisamos tomar um refresco de talebi para repor as energias. 

O Bazar em si, pra mim já não era nenhuma novidade, depois de visitar outros similares em outras cidades. Temperos, doces, roupas, utensílios domésticos e artesanatos se embaralharam diante dos meus olhos. Como de costume comprei poucas coisas. Essa coisa de pechinchar me dá muita preguiça, mais uma vez se não fosse Afsaneh ao meu lado eu nem ousaria entrar no Bazar sozinha.
Para voltar para casa pegamos um taxi até o metro. Na hora do rush, Teerã é idêntica a São Paulo. As pessoas já fincam o pé na porta para conseguirem assentos. Mas diferente daqui algumas pessoas vão tranquilamente sentadas no chão ocupando todo o corredor. Esperamos por um outro trem que dessa vez ia sem parada até Karaj. Só me vi sendo jogada para dentro do vagão espremida pela multidão de mulheres de véu. Mas por sorte eu e Afsaneh conseguimos nos sentar e engamos a fome com uma espécie de pipoca colorida. 
À noitinha, já em casa nunca vi tantas pessoas reunidas. Todos os parentes de Afsaneh vieram nos visitar. O jantar foi servido numa  sofreh  que ocupava a sala inteira. Os homens tocavam violão e tonbak e se divertiam cantando. Estavam presentes Ashraf e Nader e os filhos. Os meninos Alireza e Mohammad Amin também vieram com seus pais e não me deixavam só nenhum minuto. Mostravam seus tablets com fotos, videos e desenhos, enquanto eu tentava contatar outras pessoas pelo skype no notebook do quarto. 
Enquanto comíamos uma deliciosa sopa de leite com a habitual porção generosa de frutas na sofreh, um dos meus amigos de Teerã, chamado Amin me ligou pedindo desculpas por não poder me encontrar (estava com problemas familiares). Uma pena, eu não conseguir passar mais tempo no Irã. Infelizmente tive que ir embora sem conhecer todos os meus amigos. Apesar de não falar o mesmo idioma, me sinto quase um membro dessa família de Karaj… Esta viagem  está quase chegando ao fim, no próximo post vou narrar meu último dia no Irã, segura o chororô. Be omide didar!




>>Que tal um pequeno passeio virtual pelo interior da Torre Azadi?

Este post tem 0 comentários

  1. Cristina Pavani

    Oi, Janinha!
    Impressionante como rendeu o tempo nesta sua viagem. O planejamento minucioso e a organização provavelmente foram as chaves deste sucesso.
    Esta rede de relacionamentos que você conseguiu montar foi incrível. O mais incrível é que as pessoas não "furaram" contigo.
    Se fossem brasileiros, eu ficaria com um pé atras – nem livros devolvem! Todavia aguardo o próximo capítulo, pois é tudo novo e lindo no Irã.

    Um abraço.

  2. Anônimo

    Muito legal, Janaína. Cristina tem razão. Muitos brasileiros não cumprem seus compromissos, mesmo com amigos. Emprestei um livro a uma conhecida em abril e até hoje espero pela devolução, depois de ter pedido umas três vezes. Fico até sem graça, achando que sou eu o errado. Abração, José

  3. Anônimo

    Salaam, Jana Jan!

    prometa-me que vai publicar um livro com seus relatos! Eu vou ao seu lançamento do livro!
    Bem, tenho um ditado que uso aqui no Brasil: cd, dvd e livros não se emprestam…hehehehe
    Apareça no meu cantinho para tomarmos um Chai do Khaleej, que tal?
    beijos

  4. Anônimo

    Oi Janaina,
    Obrigada por compartilhar e divulgar toda a riqueza do Irã: as pessoas, a cultura e as belas paisagens. E suas experiências de viagem por lá! Parabéns pelos posts.
    Desejo que você tenha um Feliz Ano Novo, com muita saúde, paz e alegria. E que seus desejos se tornem realidade em 2014!
    Grande abraço,
    Ana.

  5. Anônimo

    Janaina, muito legal. Pense mesmo num livro ilustrado, contando sua "Aventura Persa". Que tal esse titulo? Com bastante fotos e uma revisao. E trabalhos seus fotografados. Ate pensei em voce lancar tambem versao persa, em Teera. Pense nisso. Peco que avise a nossa amiga em comum que estou em viagem, sem conseguir acessar meu correio, porque ele "deu pau"? Abracos, Jose Henrique

Deixe um comentário