Viagem ao Irã: Bate e volta de Qom à Kashan

Bagh-e Fin, Kashan

Salam amigos! Hoje vou narrar o dia em que fiz uma rápida visita a Kashan e à noite em Qom, o maior centro de ensino religioso do Irã.

📆 Qom, 08/09/2013: 
Acordei depois das 9:00, meu amigo Mehdi mandou uma mensagem dizendo que estaria tarde para me levar a Kashan porque o sol era escaldante. Fiquei muito aborrecida mas continuei a insistir. Eu queria tanto ir a Kashan, e já passei tanto calor nas outras cidades que para mim, não havia desculpa para não ir. Ele respondeu: “Ok, a escolha é sua!”  
Malihe não poderia ir conosco, porque trabalha em uma escola para meninas que fica na mesma rua de sua casa. Fui com ela até a escola, e enquanto esperava por Mehdi, fiquei assistindo a aulinha de reforço de matemática com as menininhas em uma sala de primeira série. A não ser por Malihe e as demais funcionárias usarem o chador e por só haver menininhas de hijab, o ambiente era igual a qualquer escola primária do mundo. A professora Malihe me apresentou para as crianças que me deram um tímido salam, com carinhas bem curiosas. Na noite anterior ela havia me mostrado fotos onde as meninas ficavam sem o véu na sala, segundo ela “somente em sua aula”. Finalmente Mehdi me ligou dizendo que já estava à minha espera do lado de fora, e Malihe pediu licença para a diretora e me acompanhou até o carro dele. 
A estrada para Kashan era totalmente desértica e para piorar, o ar condicionado do carro não estava funcionando muito bem. Mas eu não reclamei, afinal foi ideia minha de enfrentar aquele calorão e tudo valeria a pena se eu pudesse incluir uma cidade a mais em meu roteiro. Quando chegamos em Kashan sentíamos o suor encharcando nossas roupas… Mehdi levou uma garrafa de água completamente congelada que durante o trajeto se tornou líquida. Kashan é uma típica cidade oásis do Irã central com a contrastante e paisagem poeirenta pontilhada de árvores deslumbrantes, me lembrava bastante Yazd.

Chegando em Kashan

A fonte que refresca o  Bagh-e Fin

Os ciprestes de 500 anos

Cerâmicas pré-históricas de Tepe Sialk

Cerâmicas do período islâmico (um retrato de Omar Khayyam)

Esculturas de cera no hamam de Amir Kabir

Azulejos e o esplendor  da arquitetura persa

Nossa primeira parada  foi no Bagh-e Fin, um dos jardins mais belos do país embelezado por ciprestes de 5 séculos e belas mansões que combinam estilos arquitetônicos de várias épocas. Este era um dos locais preferidos dos reis Safávidas, que desfrutavam as delícias dos jardins paraísos persas no verão. Uma fonte que percorre todo o jardim, funciona sem a necessidade bombas graças a grande pressão da água que desce por uma ladeira de 3km.  Dentro do jardim visitamos um museu com artefatos históricos dos quais os mais marcantes são os utensílios pré-históricos do sítio arqueológico de Tepe Sialk e objetos do início do período islâmico aos tempos modernos. Neste jardim também foi onde Amir Kabir, chanceler do rei Nasser al-Din Shah Qajar, foi assassinado em 1852. A cena é relembrada por meio de estátuas de cera no edifício onde ficava o hamam (sala de banho). 
Depois visitamos duas mansões históricas de Kashan, chamadas Abbasian e Tabatabaei construídas durante a era Qajar. A mansão Abbasian é bem suntuosa com três andares e há algumas escadas que simplesmente não chegam a lugar nenhum, devem ser passagens secretas construídas com a finalidade de enganar os ladrões. A casa Tabatabaei por sua vez tem dois andares e um amplo pátio. As  paredes são adornadas com magníficos relevos, pinturas, espelhos e vitrais coloridos. Essas duas casas são exemplos completos da arquitetura persa tradicional e para descrever melhor os seus detalhes, vale um outro post.
Casa histórica Abbasian (pátio)

Salão de verão da casa Abbasian

Esta ave escolheu um  belo lugar para  fazer seu ninho…

Casa histórica  Tabatabaei (pátio)

Uma deliciosa sala de chá 

Segundo piso com vista para o pátio

Os relevos magníficos!

O único souvenir que comprei em Kashan foi um pequeno colar decorativo em argila. Mehdi adorava me fotografar, talvez por ser a primeira vez que viu uma brasileira no Irã. Ele queria me mostrar outros lugares históricos porém o calor me deixou muito cansada e preferi voltar para casa e descansar. No caminho ele me ofereceu um samanu congelado desde o Nowruz passado (6 meses)! Pensem em um pudim mais doce do que todos os doces que você já provou na vida! Só aguentei comer umas 4 colheradas…

No carro fora da cidade eu tiro o hijab por causa do calor, e Mehdi  fica impressionado com o meu cabelo curto. Mas ao entrar na cidade ele me avisa para colocar o véu imediatamente. Em Qom 99% das mulheres usam o chador. Eu juro que não reparei nas olhadelas que os homens davam para mim até Mehdi me falar. De fato os motoristas buzinavam e os ciclistas viravam o pescoço, como se eu estivesse usando o que eles consideram mais ousado! Isso porque eu estava usando meu  manteau azul-escuro mais folgado e o shal branco… Mas da próxima vez aprendo a lição e descolo um chador emprestado, mas aguentar o calor vai ser outra história, arf… Outra coisa que me incomodou um pouco mas respeitei foi o fato de ele se recusar a me apresentar para a família dele que era “muito tradicional”. Porém ele já havia me ajudado tanto me apresentando seus amigos e alunas…

Voltando para Qom 

Perguntei a ele porque falam tão mal de Qom no Irã. Ele disse que porque foi ali que se iniciou a Revolução, e porque é a cidade do ayatollah Khomeini. Comecei a recordar algumas das coisas negativas que meus amigos  de Talesh disseram sobre Qom: “Cidade perigosa, cheia de mulás… Nós não gostamos de mulás…” Aí eu perguntei: “Vocês já estiveram lá?” Eles responderam: “Não, mas já ouvimos isso de outros… “Então esse foi um dos motivos pelo qual decidi ir ver Qom com meus próprios olhos…

Á tarde quando voltei a casa de Malihe almocei e dormi no sofá da sala a tarde inteira. O calor de Qom estava realmente fora das minhas expectativas e me deixava muito preguiçosa… 
Á noite saí junto com Malihe, sua mãe e sua irmã Saba. Qom à noite é bem mais fresca. Nas ruas vemos muitos árabes e akhonds (como são chamados os jovens aspirantes a mulás no Irã) Porém vi menos mulás do que eu esperava. Fomos ao haram de Fatima Masumeh,  o segundo santuário mais importante do Irã (o primeiro eu já visitei em Mashhad). Já de longe sua deslumbrante cúpula dourada iluminada com luzes festivas é de encher os olhos. Para entrar é muito mais relax do que no Imam Reza, não passamos por nenhuma revista e é permitido entrar com a câmera e tirar fotos exceto dentro da mesquita. Só teve uma funcionária que me cutucou com uma espécie de espanador de plumas porque meu cabelo aparecia um pouco. Mas Malihe me ajudou a arrumar o maghnae e chador que ela me emprestou e tudo ficou certo. Por dentro o pátio é ricamente adornado com mosaicos, meus olhos se enchiam de beleza a cada ângulo que eu olhava. Assim como em Mashhad, as crianças também brincam enquanto seus pais rezam, é uma cena que me transmite muita paz de espírito.
 Malihe me contou que os mulás são cercados de histórias. Dizem que eles se casam com 4 mulheres e adoram fazer propostas de casamentos a meninas jovens. Geralmente eles são ricos e todas as meninas de Qom já tiveram um mulá como khastegari (pretendente) inclusive ela! Porém o pai dela odeia os mulás e disse um categórico não! Isso mesmo, no Irã se o pai diz que não aceita um pretendente para sua filha, nem um religioso pode dizer o contrário! 

O santuário de  Fatima Masumeh à noite

Zoom  da cúpula dourada

De volta ao chador 

Deslumbrada com os mosaicos *-*

Qom é uma cidade iluminada!

Malihe nunca larga o celular, mesmo andando na rua ela está falando com alguns de seus amigos. É fantástico ver aquela garota sorridente e comunicativa de calça jeans e tênis por baixo do chador… 
Finalmente visitamos o bazar histórico de Qom, que como todo o bazar tem basicamente as mesmas coisas, mas aquele como tudo em Qom também é cheio de histórias… Um outro amigo me contou que Qom era uma das cidades mais pobres e com alto indice de criminalidade do Irã, seu antigo bazar só vendia alcool e depois da Revolução todas as garrafas de bebidas alcoólicas foram jogadas fora e um dos ayatollahs pagou toda a indenização e assim o bazar recomeçou de forma islamicamente correta. 
Durante aquela noite que caminhei com Malihe em Qom tentei permanecer com o chador. Mas mesmo assim as pessoas me olhavam com curiosidade, talvez pelo meu ar desengonçado saboreando um picolé de chocolate e arrumando o traje toda hora. Nem o chador esconde o efeito khareji… Assim como em outras cidades do Irã, caminhar em Qom tarde da noite é extremamente seguro. Minha conclusão: Qom não é a cidade perigosa que me diziam, mas uma cidade iluminada em todos os sentidos!  
No próximo post vou narrar minha visita a um vilarejo chamado Tinuj, um lugar onde eu devo ter sido a primeira brasileira a visitar. Até a próxima e khoda hafez!  

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