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O Vilarejo de Tinuj |
Salam amigos! No post de hoje vou narrar minha visita ao remoto vilarejo de Tinuj e minha despedida de Qom:
📆 Qom, 09/09/2013:
Acordei bem cedo, e me preparei para conhecer Tinuj, o vilarejo do pai de Malihe. Antes de sair não tomamos café, mas Malihe levou em uma super mochila com o nosso café da manhã e até uma panela com o nosso almoço. Para chegar a Tinuj que fica a cerca de 30 minutos de Qom, mais próximo da cidade de Tafresh, pegamos dois táxis. O vilarejo fica entre montanhas em uma clareira verdejante. As ruas são quase completamente de terra, as árvores margeiam as ruas e nos protegem do sol, encontramos também antigas casas de barro em ruínas em meio a casas modernas de muros altos. As ruas são completamente vazias, o local tem um pouco mais de 200 habitantes e literalmente senti que o relógio era algo desnecessário ali.
A primeira coisa que fizemos foi tomar café na casa dos pais de Malihe, que ficava em uma viela que tinha o nome de um shahid que era membro de sua família. Ao lado da viela há um cemitério onde estão enterrados os avós de Malihe e seu parente shahid. Ela lava cuidadosamente o túmulo deles com água e dá uma batidinha como uma espécie de diálogo ou saudação com o falecido, o que é um costume dos xiitas. O portão externo estava aberto, porém ela esqueceu a chave e nós ficamos sentadas no jardim da casa comendo pão com queijo, pepino e tomates. Nesse vilarejo há várias crianças afegãs que brincam com gravetos de madeira fazendo arminhas, uma cena que me lembrou o filme E Buda desabou de vergonha… Eles se aproximam de nós, disparando seus “tiros”, mas Malihe pacientemente disse algo que fez eles se afastarem. A maioria dessas crianças nasceram no Irã e seus pais imigraram fugindo da guerra e em busca de uma vida melhor no país vizinho. A maioria dos adultos afegãos trabalha como jardineiros em propriedades mais abastadas.
Crianças afegãs brincam nas ruas de Tinuj |
Felizmente nem todas brincam de guerra… |
Um pastor e seu rebanho |
Os animais assustados com o barulho de um carro |
Tinuj é um desses lugares que quando passam carros dá vontade de vaiar, primeiro porque eles levantam uma poeira infernal e segundo porque perturbam a sensação de estarmos em um vilarejo remoto. Quando um carro passou, vimos um rebanho de cabras e carneiros conduzidos por um pastor idoso pularem assustados para todos os lados.
Chegamos ao caravançarai que outrora serviu como uma acolhedora hospedaria aos viajantes e hoje se encontra totalmente dominado por entulhos de lixo e excrementos de animais. Era preciso ter cuidado para não pisar (argh!). Mas fora esse cenário desagradável, ainda era muito interessante. Subimos ao topo da estrutura onde vemos o panorama de Tinuj com seus telhados todos da mesma cor ocre e suas casas que não ultrapassam os dois andares. As pedras usadas para construir o caravançarai são grandes blocos quadrados de barro. Malihe me contou que uma parenta sua ama tanto o seu vilarejo que foi morar nos EUA e levou um desses blocos pesadíssimos na mala. Como eu não seria capaz de chegar a tamanha proeza, me contentei em recolher apenas um pequeno fragmento desse tijolos. Pensei: uma pedrinha de 500 anos na minha casa!
Malihe no caravançarai de Tinuj |
Panorama de Tinuj no alto do caravançarai |
Uma foto com a lindinha Zahra |
Ao sairmos do caravançarai havia uma menininha chamando o coleguinha para brincar de bola. Ela ficou nos observando com curiosidade e perguntou de onde eu era. Depois Malihe explicou a menina que eu era uma turista e pediu para que ela tirasse foto comigo. Seu nome é Zahra, ela mora em Teerã, mas passa alguns dias do verão no vilarejo com sua família que cuida da mesquita local. Ela mesma abriu a porta da pequena mesquita que fica em um pequeno galpãozinho, tão modesto e singelo quanto tudo mais naquele lugar.
Depois a pequena Zahra nos arrumou uma garrafa de água e se despediu de nós com seu sorriso angelical. Continuamos nossa caminhada por esse mundo longínquo sob um sol que se tornava mais e mais inclemente. Malihe me emprestou seu boné porque eu sentia meus olhos arderem. E ela a essa altura havia removido seu chador. Passamos pela ponte Tinuj com seu arcos graciosos, dos áureos tempos da arquitetura persa mas cujo rio que passa por baixo dela encontrava-se completamente seco. Me senti especial visitando Tinuj, tenho a mais absoluta certeza de que sou a primeira brasileira a desbravar aquele cenário tão longínquo que nem as buscas do Google encontram facilmente. Eu cheguei até mesmo a abraçar uma árvore de tronco retorcido que parecia estar ali só para me dar as boas vindas!
A ponte de Tinuj e o rio? Seco! |
Neste remoto vilarejo vivem pouco mais de 200 habitantes |
Algumas casas de 200 anos |
Vielas e jardins do vilarejo |
Na hora do almoço, fomos a casa da tia de Malihe, a quem ela chamava de zan amu, uma mulher idosa e serena que mora com seu filho adolescente. Nessa hora eu me dei conta de fato que estava em um território longínquo. A casa era uma das mais tradicionais que eu já pus os pés, daquelas desnudas de móveis. Apenas tapetes no chão. Só o fato de haver ali uma televisão e eletrodomésticos na cozinha me davam pistas que eu realmente estava no séc. XXI. Depois de esquentar a comida, fomos comer no jardim da casa de Malihe, ouvindo música pop no celular dela. Enquanto comíamos um gato pulou o muro e ficou nos observando. Atiramos alguns dos nossos macarrõezinhos para ele, que fugiu assustado, mas logo voltou para devorá-los e logo veio um segundo bichano se juntar a ele.
Eu e Malihe ficamos simplesmente conversando por uma hora. Descobri que aquela garota de Qom tinha muito mais em comum comigo do que eu imaginava. Ela mora em uma das cidades mais religiosas do Irã, mas seu espírito é livre, seu sorriso contagiante e ela adora andar sempre cantarolando. Subimos no terraço da casa onde havia uma árvore de gerdu, um típo de noz que ela insistia que eu deveria provar. A essa altura vocês já devem saber que há coisas que os iranianos adoram, mas não agradam ao meu paladar. Essas nozes para mim não tinham gosto de nada, mas Malihe pegava as que estavam caídas em qualquer canto, pisava em cima para quebrar a casca e saboreava o miolo branquinho.
Fizemos mais uns minutos de caminhada, até os jardins da família dela que estavam completamente secos e com árvores peladas no verão. E finalmente ela me mostrou uma grande casa em construção que futuramente pertenceria somente a ela, para onde ia se mudar em breve. Ela já estava animada para que eu voltasse ao Irã e visse a casa pronta com seu jardim cheio de flores! Por volta das 14hs pegamos um táxi de volta para Qom, fomos na companhia de um lindo menininho afegão com sua mãe. Todas as crianças afegãs que eu vi em Tinuj tinham traços da etnia hazara, aqueles que parecem chinesinhos.
Voltamos para a casa de Malihe onde a “família toda” estava ansiosa para me ver. Suas duas irmãs mais velhas que são casadas e o sobrinho, o lindinho Sina de 10 anos. O garoto veio me recepcionar com um adorável: Salam khanum! que derreteu meu coração… depois ele fez uma demonstração do seu talento nas artes marciais com seu traje de tae-kwodo, mostrando todo orgulhoso que ele é campeão na sua cidade. Sina pediu para eu fazer um desenho para ele e até ficou paradinho fazendo pose para mim. Fiz um bem simples que representava ele, mas o garoto ficou tão feliz que disse que ia pendurar na parede de seu quarto. Minutos antes de eu me despedir da família estávamos todas na sala dançando quando Mehdi me ligou dizendo que já estava a minha espera. Com certeza Malihe e sua família também me deixaram lembranças muitos especiais e saudades boas!
Mehdi veio me buscar em seu carro, todo arrumadinho e perfumado. Me deu de presente um exemplar do livro escrito por ele cuja capa eu ilustrei há uns 2 anos atrás. Isso mesmo, há uma livro de inglês no Irã cujo título é Read More que a capa foi desenhada por mim! Antes da minha partida tiramos algumas fotos perto da praça 72 Tan para recordar o momento.
Meu próximo destino ia ser Teerã, mas acabou mudando para Karaj onde eu finalmente ia reencontrar minha amiga Afsaneh. Entrei em um onibus para Karaj que já estava quase de saída em última hora, porque eu não havia comprado os bilhetes. Me indicaram um assento ao lado de uma moça cujo marido tinha passado para o de trás a fim de garantir que eu seguisse a regra de me sentar ao lado de uma mulher. Em seguida Mehdi subiu no ônibus para se despedir de mim. Eu queria dar um grande abraço nele e agradecer de verdade por tudo, mas dentro do ônibus cheio de mulheres de chador e mulás de turbante isso jamais seria possível. Trocamos breves palavras de agradecimento e por volta das 17h30 o ônibus partiu.
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À caminho de Karaj (Foto: Milad Mosapoor) |
Durante o caminho Afsaneh me ligava perguntando se eu já estava chegando mas eu nunca sabia o certo. Ela dizia estar aguardando perto de uma ponte, mas a cada ponte que passava eu achava que já estava chegando, então ela pediu para eu passar o celular para o motorista que ia me indicar a parada certa. Karaj é uma cidade cercada de montanhas, muito parecida com a parte de Teerã que eu havia visto.
Cheguei em meu destino à noitinha e lá estava a minha amiga iraniana que visitou o Brasil no ano passado, feliz por finalmente nos reencontrarmos em seu país. Fomos de táxi até a casa dela que ficava em uma rua bem movimentada. A casa era muito bonita e espaçosa, e assim como a casa de sua irmã Ashraf em Teerã, tinha um pouco mais do conforto ocidentalizado na sala e nos banheiros. Os pais de Afsaneh me receberam como se eu fosse uma filha e suas irmãs também são muito carinhosas. O pequeno Mehrshad seu sobrinho é uma criança bagunceira, mas também esperto e encantador. Ele veio me trazer a sacolinha onde estava o meu cabo USB esquecido em Talesh e ao ver o papel de parede do meu celular que eram duas florzinhas com carinhas sorridentes ele gritou: Khorshid khanum!!! (que é um personagem do folclore persa).
Assim foi a minha primeira noite em Karaj, com todas as delícias de ser hóspede de uma família tão querida novamente. Uma pena que esse sonho já estava quase no final…
No próximo post vou contar como foi minha visita super cultural a Teerã e mais reencontros! Até a próxima e khoda hafez!
📹 Deixo com vocês um flash-back do vilarejo de Tinuj:
Salaam, Jana Jan! saudades de ti….
o relato e suas fotos transmitem a paz do lugar e a alegria de teu coração,
beijos
Alaikum salam Denise jan!
Obrigada pelo carinho e por acompanhar o relato mesmo com minhas demoras!
Beijos da Pérsia!
Salam Janaina!
Conhecer lugares como o vilarejo de Tinuj, é uma experiência única! Adorei o post, bem como o relato sobre sua visita a Qom. Achei muito bacana vc ter ilustrado a capa de um livro lá do Irã. Parabéns!
Abraços,
Ana.