Descendentes de escravizados no Irã: uma história desconhecida

Crianças afro-iranianas (foto: Behnaz Mirzai)

Salam amigos! Um artigo publicado originalmente no
site
Middle East Eye, revela uma faceta pouco
conhecida da formação do povo iraniano. Embora sejam uma das minorias étnicas,
há uma presença expressiva de afrodescendentes especialmente no sul do país.
Aqui no blog, já mostramos o trabalho do fotógrafo Mahdi Ehsaei revelando sob
um viés artístico os povos afro-iranianos, e hoje vamos conhecer o
trabalho de uma pesquisadora que investiga história dos descendentes de
escravizados no Irã. 

A historiadora iraniana radicada canadense Behnaz Mirzai é uma grande especialista sobre a
diáspora africana no Irã. Tendo iniciado sua pesquisa há mais de 20 anos, ela
afirma que este ainda é um tópico pouco conhecido dentro de seu país de origem:
“Durante todo o tempo que morei no Irã, nunca ouvi falar sobre a escravidão no
Irã.”

A historiadora Behnaz Mirzai, que há 20 anos pesquisa a diáspora africana no Irã
(foto: MidleEastEye)

Mestra em história iraniana e islâmica, pela
Universidade Azad de Teerã, Mirzai se mudou para o Canadá em 1997, quando
encontrou o professor Paul Lovejoy, na Universidade de Toronto que a incentivou
a enveredar sua pesquisa sobre este tema. E após contatar seus antigos
professores no Irã, ela descobriu que realmente o país teve uma história de
escravidão africana, e ainda existem arquivos com documentos provando o fato. “A
escravidão não estava integrada na história do Irã… em termos de conhecimento
das pessoas comuns ou mesmo entre acadêmicos ele era muito limitado, ou naquela
época era zero,” diz a historiadora. “Não havia artigos nem livros escritos;
era algo muito novo”.

O comércio entre o moderno Irã e os países da África
remonta a muitas centenas de anos. Porém, segundo a pesquisa de Mirzai que é focada
especialmente no período moderno, a escravidão no Irã compreendeu dois períodos
principais: a Dinastia Qajar (1795-1925) e os primeiros anos da Dinastia
Pahlavi (1925-1979). Ela explica que os mercadores árabes do Golfo, dominado
pelo Sultanato de Omã – que controlavam vastas regiões nas costas do Oceano
Índico –  trouxeram para o Irã escravizados do norte e nordeste do continente africano, incluindo Tanzânia (Zanzibar), Quênia,
Etiópia e Somália.
Na antiga literatura islâmica, os etíopes eram
conhecidos como al-Habasha (abissínios). Como resultado, muitos escravizados adotaram
o sobrenome “Habashi” quando vieram para o Irã, para indicar sua origem. Os
escravizados que vinham de Zanzibar, por sua vez, adotaram o sobrenome Zanzibari. Em
grande parte concentrados na costa sul do Irã, eles trabalhavam
predominantemente na pesca e agricultura, ou como empregados domésticos,
enfermeiros, ou até mesmo soldados.

Foto tirada na corte de Nasir al-Din Shah, durante a dinastia Qajar em Teerã no séc. XIX.
As crianças negras, filhos de servos, eram chamadas de khanezadeh (nascidos em casa).
(Imagem: acervo de Behnaz Mirzai) 

 Porém, os africanos não foram os únicos a serem
escravizados no Irã. “No Irã, a escravidão não era baseada na raça (…), havia
escravizados circassianos e georgianos, além de muitos iranianos que viviam em um
estado de extrema pobreza…”, diz Mirzai. A abolição da escravidão no país começou
em 1828 com o fim do tráfico de circassianos e georgianos e a prática se
encerrou exatamente um século depois.  
Hoje em dia, cerca de 10 a 15% da população do sul do
Irã pode ser considerada afrodescendente. 
Muitos membros dessa comunidade afro-iraniana, termo cunhado por Mirzai
em sua pesquisa, sequer conhecem a história de suas famílias ou suas próprias
origens. Eles são geralmente referidos como os “negros do sul” e muitos
iranianos ainda acreditam que a cor escura de sua pele é resultado do sol
inclemente das costas do sul do país.
 

Os afro-iranianos consideram a si mesmos simplesmente
como iranianos e às vezes sentem-se incomodados com questões sobre suas origens
africanas.  “Eu perguntei a eles
anteriormente, o que vocês se consideram? E eles disseram, ‘somos iranianos’.
Se eu fizesse alguma pergunta relacionando-os com africanos, eles se sentiriam ofendidos…
como se você estivesse tentando dizer que eles não são iranianos” diz a
pesquisadora.  
Em um dos filmes produzido por Mirzai, Afro-Iranian
Lives
, um homem chamado Mohamad Durzadeh disse que sua família está no Irã
desde os tempos de seu avô. Quando perguntado de onde seus ancestrais vieram
ele responde: “Eles estavam aqui [no Irã]”. 
Um outro homem no mesmo filme, cujo nome não foi identificado, explica
que há distinções entre as famílias afro-iranianas: “Os Durzadehs se acham
superiores aos Ghulam e aos Nukar. Eles acreditam que os Ghulams eram escravizados,
mas os Durzadehs eram livres”.
 

Homens participando da cerimônia do Zar, em Khorramanshahr, província de Khuzestan
(Foto: Behnaz Mirzai) 

 O desconhecimento sobre os afro-iranianos, faz com que
os iranianos de outras partes do país vejam a estes como estrangeiros (um
exemplo perfeito é o filme
Bashu, o Pequeno Estrangeiro do qual
já falamos aqui no blog). Porém, Mirzai diz que apesar de incomum, ela
documentou alguns casamentos entre afro-iranianos e iranianos de outras etnias.

Os afro-iranianos atualmente estão bem integrados nas regiões
onde vivem. Por exemplo, as comunidades da província de Sistan e Baluchistan
falam o dialeto local, baluchi, enquanto as comunidades da província de
Hormozgan falam o dialeto bandari. Por outro lado, as comunidades
afro-iranianas atuais mesclam tradições africanas com a cultura iraniana, incluindo
um ritual de exorcismo conhecido como Zar, que também é praticado na Tanzânia
e Etiópia.
 

Por fim, Mirzai conclui: “Para mim, o mais importante
é mostrar que eles são iranianos, um lado diferente do Irã; que o Irã é muito
diverso e que há muitos grupos étnicos vivendo no Irã. Eles têm sua própria cultura
e identidade específicas.”

Mulheres e crianças afro-iranianas da província de Sistan e Baluchistan
(Foto: Behnaz Mirzai)

(Adaptado do artigo de Jillian D’Amours para o site Middle East Eye)

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