Breve História da Dança Persa

A história da dança persa é ao mesmo tempo fascinante e trágica, embora seja praticamente desconhecida em outras partes do mundo por causa da situação política atual do país que tem amenizado o interesse de pesquisas profundas nessa área. No entanto, descobertas arqueológicas no Irã, durante os últimos 30 anos revelaram a origem da dança persa, desde o aparecimento do culto de Mitra, há cerca de dois mil anos atrás.
Em virtude disso, a Pérsia pode ser considerada como um dos impérios do mundo antigo que se dedicava ativamente ao desenvolvimento da arte da dança. Para os antigos persas, a dança tinha um importante papel social e nos rituais religiosos. Ironicamente, desde a revolução de 1979, esta forma de arte foi proibida no país que uma vez desempenhou um papel central para a sua expansão e progresso.
De acordo com o coreógrafo e pesquisador Nima Kiann, a história da dança persa pode ser divida em sete épocas diferentes, a partir do culto pré-histórico de Mitra até o presente.
1) O Culto de Mitra e a Origem da Dança Persa

Dançarinos na festa de Rostam, miniatura do séc. XVI
A origem e ascensão da dança persa como uma forma de arte independente e distinta é estimada em paralelo com o nascimento do mitraísmo e sua propagação. Este culto girava em torno do Deus luz, Mitra  da antiga Pérsia, que é a figura principal desta religião que misteriosamente teve influência até mesmo nas partes mais remotas do Império Romano.
O ritual mais importante do culto de Mitra, era o sacrifício de  touros que se acreditava  trazer  a vida, seguida por uma dança ritual realizada apenas por homens. Esta cerimônia é considerada como a mais antiga forma conhecida de dança iraniana, e a origem da dança mágica das civilizações antigas ou dança sagrada persa.
As bases mais importantes para a pesquisa em torno da dança persa antiga pode ser encontrada no trabalho do historiador grego  Heródoto ‘”Nove Livros” que descreve em várias ocasiões, os hábitos culturais e sociais dos persas e menciona o amplo intercâmbio cultural que persas tiveram com o mundo antigo.
2) A Dinastia Aquemênida e os Intercâmbios Culturais

Representação da Dança da espada
O extenso intercâmbio cultural com as civilizações antigas, em particular com o Egito e a Grécia prosseguiu durante vários séculos. Várias obras de historiadores gregos descrevem “mestres da dança persa” (coreógrafos e pedagogos) enviados para a Grécia, assim como  “esportistas, poetas e bailarinos” gregos enviados para o Império Persa.
A dinastia Aquemênida, a  primeira do Império Persa, continha vários imperadores entusiastas que incentivaram o avanço de diferentes formas de arte. A importância da dança entre os persas pode ser claramente vista em numerosos livros de história grega. Diferentes formas de dança existiram em forma de rituais, cerimonias ou entretenimento.
A dança era uma forma de arte bem desenvolvida e protegida durante a existência de outras dinastias do Império Persa, como os partos e sassânidas. De acordo com os textos gregos, havia descrições detalhadas para diferentes formas de dança, como a dança do fogo, dança da espada e até dança do cavalo.
3) O Islã Proíbe a Dança

Dançarinos da corte safávida, pintura do palácio Chehel Sotun
A dança como um comportamento social, respeitado como uma parte da cultura persa foi elaborado através de milênios até os árabes invadirem o Irã. Sua nova religião proibia a dança, e isso praticamente implicou a extinção das antigas tradições de dança persa.
Ao lado da proibição religiosa, uma tragédia histórica  foi outra razão importante para os iranianos deixarem de apreciar a arte da dança por um longo período. Após a queda do Império Persa, quando o país foi dividido em pedaços, as mulheres iranianas jovens foram escravizadas e vendidas nos bazares dos novos conquistadores. Elas foram forçadas a executar danças eróticas para agradar aos governantes bárbaros.
Esta desonra nacional, para um povo que estava perdendo a sua identidade cultural e a dignidade humana, caracterizou a sua visão da dança durante séculos vindouros. Nenhum homem iraniano desejava ver sua mulher dançando na presença de um estranho. É por isso que a atitude dos muçulmanos iranianos com relação a dança tem sido de natureza mais conservadora em relação a outros países muçulmanos ao longo da história.
4) O Sufismo e a  Dança Sama

Dança sufi dos dervixes 
Entrentanto a dança  apareceu na fé mística sufi, tomando um lugar central na literatura. Hafez, Saadi  e Rumi foram três grandes poetas persas que exaltaram a dança em seus poemas e usaram essa forma de arte como um símbolo do poder da vida. O sufismo recomenda a dança como um instrumento espiritual para uma aproximação espiritual com o Criador, que é o objetivo final nesta fé.
O objetivo será alcançado através da prática de um ritual extasiante realizado com música e dança. Esta performance é chamada Sama e é praticado até hoje pela famosa ordem dos dervixes rodopiantes, cujo centro está em Konya na Turquia.
5) A arte popular na corte Qajar

Uma princesa Qajar dançando
A única forma original de dança persa que sobreviveu ao longo dos séculos é a dança folclórica dos nômades. Poucas manifestações de dança ocorriam em cidades maiores e em público,  por causa da proibição islâmica em uma sociedade fortemente tradicional e religiosa. Enquanto isso na corte real dos Qajars danças tradicionais antigas eram executadas especialmente entre as mulheres
A ascensão dos Qajars em 1796, significou uma liberalização da atitude do povo diante da dança, embora esta forma de arte tenha permanecido no monopólio da corte real. Há ilustrações, pinturas esplêndidas e textos em forma de memórias e relatórios oficiais enfatizando a popularidade destes bailes na corte e entre as famílias da elite e da burguesia. Assim, a dança tornou-se muito em voga e um fenômeno social, geralmente realizada durante ocasiões de entretenimento, como coroações, festas e cerimônias de casamento e  a celebração do Nowruz (ano novo iraniano).       
6) A Era  Pahlavi  e a Modernização das Artes Iranianas

Bijan e Manijeh, Cia. Nacional de Balé do Irã
Durante a dinastia Pahlevi uma tentativa acurada foi feita para compilar e desenvolver diferentes estilos de danças. De danças folclóricas pré-históricas a obras contemporâneas de coreógrafos ocidentais como Maurice Béjart e Martha Graham.
A história do balé iraniano começa a partir de 1928, quando Madame Cornelli  introduziu o balé clássico no país e ensinou até 1982, três anos após a revolução islâmica. Mais tarde outros pedagogos renomados de origem armênia, como Serkis Janbazian e Madame Yelena, ensinaram algumas crianças das escolas de Teerã.  Mais tarde, Madame Cornelli levou seu grupo de balé para turnês em diferentes partes do país e do exterior.

Madame Yelena
Durante as décadas de 1930 a 1950, novos estilos foram desenvolvidos com raízes nas tradições da dança Qajar e se tornaram conhecidos como a dança popular. Eram executadas por pessoas comuns e apenas como entretenimento em reuniões privadas e festividades. Este tipo de dança não tem qualquer qualidade artística, mas tornou-se muito popular com os estilos Motrebi, Ru-hawzi, Baba Karam, Shateri e Tehrooni.       
Durante a década de 1950, o Ministério da Cultura e das Artes convidou alguns mestres e coreógrafos da Europa e  Estados Unidos para vir ao Irã e, juntamente com os veteranos do balé iraniano iniciar uma companhia de balé nacional.
Na década de 1970 a arte da dança tornou-se cada vez mais reconhecida e praticada por entusiastas entre as pessoas comuns. O monopólio desta forma de arte para as elites foi quebrado e ela se espalhou para diferentes classes da sociedade iraniana.
Assim, o Irã desenvolveu  um centro de prestígio para o balé no Oriente Médio. Grandes coreógrafos foram inspirados a criar obras com caráter persa. Maurice Béjart coreografou Farah e Golestan, que fez a arte do balé popular entre os iranianos e ao mesmo tempo, destacou a cultura persa, no ocidente.
7)  A Revolução de 1979 e a Extinção da Dança no Irã

Dança folclórica persa
A revolução islâmica de 1979 implicou o fim de uma era de sucesso para a dança e a arte do balé no Irã. O resultado de muitas décadas de trabalho duro e apaixonado foi perdido quando os fundamentalistas chegaram ao poder. A Companhia Nacional de Balé foi dissolvida e seus membros emigraram para diferentes países.
Felizmente, o esquecimento da arte da dança durante as  últimas décadas não significa o fim desta herança persa para sempre. Uma nova geração de bailarinos iranianos cresceu na Diáspora. Muitos jovens iranianos se interessaram pelo balé no exílio e são bailarinos e coreógrafos talentosos.
A dança como uma forma de arte foi proibida desde a revolução no Irã. No entanto, o caráter da dança como um fenômeno humano existe de qualquer maneira e não vai desaparecer completamente da sociedade. Apesar da proibição, ela ainda é realizada em reuniões privadas.  Após algumas tentativas de reforma, o ensino de dança tem sido ocasionalmente permitido às mulheres e apenas por mulheres. Ninguém está autorizado a praticar ou até mesmo assistir apresentações junto com o sexo oposto.
Graças ao cuidado e esforços de alguns grupos minoritários, como os armênios e judeus iranianos, uma fração do que é chamado de dança persa foi salva ao longo da história entre as pessoas comuns. Obviamente, o patrimônio artístico e cultural iraniano, incluindo a arte da dança teria sido perdido, se não fosse pela devoção dessas pessoas.



>> Veja uma performance de dança clássica persa:

Baseado no artigo de Nima Kiann

Este post tem 0 comentários

  1. Anônimo

    Salam, Jana Jan!

    Belíssimo texto. Super didático. Gostei de ler.
    Amo dança sufi. E você, tem uma dança preferida?
    Passe lá no blog para tomar um café árabe, que tal?
    Seu chá de lima está helwa, doce como a vida deve ser!

  2. Janaina Elias

    Salam Denise jan,
    Muito obrigada, fico muito feliz que tenha apreciado essa pesquisa que também amei fazer!
    Eu também amo a dança sufi, mas as minhas favoritas são as folclóricas, em breve vou colocar mais informações sobre cada estilo de dança.
    Vamos lá tomar um cafézinho com helwa, que vida mais doce!
    Gostou da nova cara do blog?

    Um grande Bause!

  3. paquistanesa ocidental

    Salam Jana,

    Eu estava para separar um tempinho e ler esse post com atenção. Adorei! Amo danças. E a dança Sufi realmente me encanta também.

    Vai fazer 5 anos que estudo a dança do ventre e a percussão árabe, mas essa dança clássica persa eu nunca havia visto. Me apaixonei… movimentos delicados. Me lembrou dança do ventre clássica, com as véstias do khaleege. Nossa… lindo, lindo!

    Grande beijo!

  4. Janaina Elias

    Salam Ayesha,
    fico muito feliz que esse post tenha ajudado a ampliar seus conhecimentos! Realmente a dança persa é muito pouco conhecida no ocidente, são tantas manifestações diferentes que com certeza influenciaram e receberam influências de outras culturas vizinhas como o khalij, a dança hindu, sufi etc…
    Continue sempre estudando esse universo maravilhoso da dança que enche nossa vida de emoções!
    Um super beijo!

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