Homenagens aos mortos e rituais funerários na cultura iraniana

Salam amigos! Hoje comemoramos aqui no Brasil o feriado do
Dia de Finados, que também existe em outras culturas. 
No Irã, não existe uma
data específica em memória dos mortos, mas sim várias datas em memória de figuras
importantes da religião, entre as quais a mais memorável é o Ashura, o ritual
xiita do Martírio de Hussein no 10º dia do mês islâmico de Moharram (em 2020 foi
comemorado em 29 de agosto).
O povo iraniano também  herdou de seus ancestrais indo-arianos
diversas tradições que incorporaram elementos de crenças das antigas
civilizações suméria, babilônia e elamita, entre elas, a crença na vida após a
morte. 
Crenças e rituais da antiga Pérsia
Na antiga Pérsia, para ajudar a alma de um familiar que partia deste
mundo, a família orava, jejuava e sacrificava animais durante três dias. Oferendas
e consagração de alimentos eram feitas todo dia 30 de cada mês até completar um
ano do falecimento. 
Acreditava-se que somente após um ano, a alma do falecido
estaria completamente incorporada ao mundo inferior ou mundo dos mortos (não
havia o conceito de céu, inferno ou purgatório).
 Também havia o festival de
Todas as Almas (no Avesta era chamado Hamaspathmaedaya) celebrado sempre
na última noite de cada ano, onde as famílias realizavam oferendas. Acreditava-se
que neste dia as almas visitavam suas antigas casas à noite e partiam ao pôr-do-sol
do dia de Ano Novo.
Por volta do fim do 3º milênio a.C,
incorporou-se a cultura persa à crença de que pessoas importantes como guerreiros,
nobres e sacerdotes que praticassem boas ações e rituais corretos nesta vida poderiam
se unir aos deuses na eternidade. Cruzando a “ponte” (cujo nome é Chinvat
no Avesta, e Sarat no Alcorão) eles entrariam em um Paraíso, onde todas
os prazeres imagináveis são possíveis. Somente
os merecedores do Paraíso poderiam cruzar esta ponte, enquanto o restante
deveria cair  no reino subterrâneo da morte.
Com estas crenças veio também a ideia da ressurreição. Acreditava-se
que um ano após a morte, aqueles que experimentaram as alegrias do Paraíso,
tinham seus ossos erguidos da terra para se revestirem de carne imortal e se
unificarem com sua alma no céu. 
As torres do silêncio
Os antigos iranianos tinham o costume de deixar
o cadáver exposto no topo de uma colina (“Torres do Silêncio”) para ser descarnado  pelos abutres. Os ossos limpos eram então enterrados com oferendas e rituais.
Com Zoroastro no segundo milênio a.C, surgiu
a crença do julgamento da alma no outro mundo. O Paraíso se torna possível para
todos aqueles que praticarem boas ações, não somente para aqueles que
praticarem rituais, sejam homens ou mulheres, de qualquer origem.  Quem preside o tribunal é Mitra, acompanhado
pelos arcanjos Soroush e Rashnu, que medem o grau de justiça de cada alma. Uma vez
julgada, a alma é conduzida por uma bela donzela, a personificação de sua
própria consciência ao paraíso da ressurreição ou ao inferno de tormentos eternos
comandados por Ahriman (o diabo, ou Shaytan no Alcorão). Estas doutrinas,
de origem zoroastriana influenciaram profundamente as filosofias
judaico-cristãs e islâmica das eras posteriores.
Os antigos persas já tinham o costume de enterrar os mortos. Os membros mais importantes de uma família eram enterrados em poços profundos cobertos com um montículo de terra. As pessoas comuns eram enterradas em túmulos simples na terra. O termo zoroastriano dakhma vem deste período e significa túmulo. 
Rituais funerários zoroastrianos na atualidade 
A comunidade zoroastriana dos dias atuais ainda segue muitas
das antigas tradições. A menos que a morte ocorra à noite, o funeral se sucede
em poucas horas, com todos vestidos de branco, recitando hinos e orações do
Avesta. O corpo do falecido nunca deve ser tocado e uma simples ablução após o
funeral irá purificar todos os participantes que participaram do ritual. As
procissões normalmente são feitas em completo silêncio até adentrar a dakhma
onde se seguem mais orações. 
Torre do Silêncio ou dakhma em Yazd: local onde eram realizados os ritos funerários zoroastrianos

 Até a metade
do século XX no Irã, os corpos ainda eram deixados no alto das Torres do Silêncio,
mas atualmente proibidas, utilizam-se caixões de chumbos para evitar o contato
do cadáver com a terra considerada sagrada.
Durante os três dias após a partida
da alma são preparadas comidas especiais evitando-se o consumo de carne. No
terceiro dia, mais rituais e orações são oferecidas e uma veste especial (Sedra)
é abençoada a fim prover uma “cobertura espiritual” para alma do falecido. O
choro e outras expressões de tristeza normalmente são evitados pelos
zoroastrianos tradicionais. Eles consideram que tal comportamento pertence ao
mundo de Ahriman.
Rituais funerários dos muçulmanos no Irã 
Quando o islã chegou ao Irã, muitas mudanças
foram introduzidas na cultura. Os conceitos corânicos de vida após a morte foram
herdados do judaísmo, e então indiretamente, das antigas fontes persas e
babilônicas nos quais após a morte vem um julgamento seguido de recompensa ou
punição. Após a morte a alma irá permanecer no Barzakh (intra-mundo) até
a Rastakhiz (ressurreição). A hora do julgamento virá no fim do mundo
com o poderoso ressoar da trombeta dos anjos. 
Em um país onde 90% da população é de muçulmanos
xiitas, cada uma das minorias religiosas segue os seus próprios rituais
funerários.
Muitos dos rituais funerários dos muçulmanos são uma forma de
compensar as falhas no cumprimento dos deveres do crente enquanto em vida.
Momentos antes
da morte, os parentes do moribundo pedem o perdão de Allah realizando a oração funerária
(Namaz e meyet). A pessoa que está morrendo é colocada em uma posição confortável com a face
voltada para Meca. Algumas gotas de água benta de Karbala, a terra onde o Imam
Hussein está enterrado são colocadas na boca da pessoa, versos do Alcorão são
recitados e se a pessoa ainda estiver consciente é encorajada a pedir o perdão
de Allah antes de partir. 
O corpo deve ser lavado e purificado de acordo com os
rituais islâmicos com cânfora (também usado pelos zoroastrianos) e envolvido
com um tecido branco por uma pessoa (mordeh shur) que também deve ser
muçulmana e do mesmo sexo do falecido. 
Se a pessoa morrer durante o dia, o corpo
será levado para a mesquita local ou para o cemitério onde irá receber os
rituais de purificação. No entanto, se a pessoa morrer durante a noite, o corpo
será mantido em casa com velas ou lamparinas acesas até o amanhecer, lembrando
as antigas tradições pré-islâmicas. 
O livro sagrado (Alcorão) é colocado
próximo a cabeça do falecido para protegê-la contra a influência de Shaytan. O
corpo deve ser enterrado em até 24 horas após o funeral com a face voltada para
Meca. Ao contrário dos zoroastrianos, choro e expressões de tristeza são
esperadas e até mesmo encorajadas pelos muçulmanos.
No Irã atual, os muçulmanos utilizam roupas pretas como
símbolo de luto durante 40 dias, e às vezes durante um ano (no passado também
era utilizados o branco e o azul como cores de luto). Após 40 dias (ou após um
ano) um membro mais velho da família troca o preto do luto por outra cor, isto
significa que toda a família pode deixar de usar esta cor também. 
Os dias mais
importantes são o ‘Hafteh’ (7º dia), ‘Cheleh’ (40º dia) e um ano após a morte (Sal).
Nestas ocasiões parentes e amigos visitam o túmulo colocando flores, arranjos de
velas e aspergindo água-de-rosas. Famílias mais abastadas doam comida de graça para
os mais pobres, como uma boa ação a fim de favorecer o falecido aos olhos de
Deus.
Encenação da Ashura “Martírio de Hossein” em Karaj, Irã
Celebrações religiosas e tradições populares
O islamismo xiita introduziu uma nova dimensão aos rituais
funerários, isto é, o martírio. A jornada fatal do Imam Hossein em Karbala
(celebrado no mês de Moharram) e o assassinato de seu pai Ali em Kufa
(celebrado no mês de Ramadan), tornou-se o mais importante ritual em comunidade. 
Para os xiitas, participar e relembrar os eventos trágicos
do martírio de seus santos é uma forma de renovar a fé. 
Por fim, ao visitar o Irã encontramos em todas as cidades,
ruas e monumentos com os nomes dos Shahids, ou seja, os mártires da Guerra
Irã-Iraque. 
Nos túmulos dos grandes poetas Hafez, Saadi, Ferdowsi entre outros, os
iranianos de todas as gerações prestam tributos e homenagens.
Nos
vilarejos e nas cidades, especialmente às quintas-feiras é comum ver famílias lavando o túmulo de seus parentes
com água, enfeitando com flores e batendo com os dedos na lápide para “conversar”
com seus falecidos. 
 A crença em outra
vida sem dúvida move o povo iraniano da antiga Pérsia aos dias atuais.

Adaptado de Iran
Chamber

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