Bashu, o Pequeno Estrangeiro

Salam! Após um bom tempo sem falar de filmes, gostaria de relembrar uma história muito especial que mostra com muita maestria a diversidade étnica do povo iraniano e a superação do preconceito racial. É difícil esquecer uma história tão marcante como “Bashu, o Pequeno Estrangeiro” (Bashu Garibehye Kuchak), lançado em 1989 e dirigido por Bahram Beizai. O mais interessante é que este foi o primeiro filme iraniano multi-étnico e a fazer uso do dialeto persa, Gilaki do Norte do Irã. Temos também a atuação brilhante de Susan Taslimi, como a camponesa Na’i que pertence a etnia Gilaki na vida real.

A história tem como pano de fundo a época da Guerra Irã-Iraque, e começa quando  o menino Bashu (Adnan Afravian), natural da província de Khuzestan, no sul do Irã , perde seus pais durante um bombardeio na sua aldeia, mas consegue se salvar fugindo em um caminhão de carga que o leva para o norte. As cenas do bombardeio e lembranças quase fantasmagóricas de sua mãe e familiares mortos surgem a todo momento assustando o garoto e evidenciando o seu trauma psicológico. Por um eventual acaso, Bashu encontra refúgio na fazenda de uma mulher Gilaki chamada Na’i, que é mãe de um menino e uma menina. O primeiro encontro é ao mesmo tempo cômico e estranho, quando Na’i repara na cor da pele escura de Bashu e tenta até mesmo lavá-lo com água e sabão (para tirar aquela cor estranha), mas depois seu instinto maternal fala mais alto e ela decide cuidar do menino órfão mesmo sem saber sua origem. No entanto Bashu, é desconfiado e ainda está muito assustado com o novo ambiente verdejante do Norte, muito diferente do árido sul de onde ele provém e da camponesa que não lembra nem de longe sua mãe. O garoto resiste por muito tempo, fugindo de Na’i, mas ao passar uma noite chuvosa fora de casa, acaba adoecendo. Porém, com os cuidados e as orações de Na’i ele se recupera e os dois passam a relacionar-se como mãe e filho e o garoto passa a ajudá-la no trabalho da fazenda expressando sua gratidão. 

Bashu o menino do Khuzestan (Adnan Afravian)
Na’i , a mulher Gilaki (Susan Taslimi)
No entanto ainda resta mais uma barreira entre os dois, que é o idioma, pois Bashu fala árabe, ao passo que  Na’i e seus filhos falam o dialeto Gilaki. Mas notamos em alguns momentos que Bashu é perfeitamente capaz de falar e ler persa porque constantemente ele aparece lendo um livro escolar e as cartas que chegam do marido de Na’i, um ex-combatente que está em outra província a procura de emprego. Em uma das cartas ela conta a seu marido sobre Bashu, e implora a ele que volte logo para casa, porém ele escreve de volta respondendo que não está muito contente com a ideia de chegar e encontrar um menino estranho em sua casa.  
Daí então, começa um falatório geral das outras pessoas  na aldeia sobre a decisão de  Na’i de ficar com o menino estrangeiro. Muitos fazem comentários maldosos sobre a cor da pele do menino, chamando o de “carvão” e o seu estranho dialeto, dizendo até mesmo que é de mau agouro. Mas em uma cena heróica, o menino consegue calar a todos quando pega  um livro da escola e lê em voz alta um trecho em persa que diz: “Nós somos todos os filhos do Irã”. 
O menino estrangeiro desperta  curiosidade no vilarejo
A vizinhança começa a se intrometer e a falar mal do Bashu…
Finalmente, o marido de Na’i (Parvis Pourhosseini) retorna para casa, mas sem dinheiro e sem um braço, provavelmente ferido na guerra. Ele e Na’i discutem sobre a decisão dela de ficar com Bashu sem o consentimento dele. Mas o desfecho do filme é surpreendente quando o homem encontra Bashu e diz ser “seu pai”, e o abraça como se ele sempre tivesse sido parte daquela família. 
Este filme clássico, sem dúvida me conquistou, por estar longe de qualquer clichê. É um filme movimentado do início ao fim, com momentos divertidos e dramáticos na medida certa. E também  merece destaque a protagonista Susan Taslimi ao representar com talento excepcional uma mãe de família, que mesmo enfrentando todas as dificuldades de estar cuidando sozinha dos filhos, da casa e da fazenda ao mesmo tempo, não se deixa jamais abater e não se rende as fofocas dos vizinhos. Ela é a meu ver uma dessas super mulheres que devem existir em todos os tempos e lugares, mostrando ao mesmo tempo sua força com seu grito pitoresco de espantar javalis (!) e seu grande coração e doçura maternal. Ao mesmo tempo ela demonstra uma fé inabalável e um amor incondicional ao esperar  meses por seu marido mutilado e aceitar um menino tão diferente como filho.

Nessa família sempre cabe mais um…
Eis a maior lição: família unida supera qualquer barreira.
A história de Bashu, apesar de ser conhecida por poucos já foi eleita como o “Melhor Filme iraniano de todos os tempos “em 1999 por 150 críticos e profissionais de cinema. O filme foi  também destaque da 14ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 1990.

Este post tem 0 comentários

  1. Fereydoun

    A beleza de Susan Taslimi é algo estonteante, mesmo com aqueles cabelos maravilhosos cobertos! Mas vejam ela sem véu nesta foto capturada do filme "A Balada de Tara":
    http://img696.imageshack.us/img696/7779/vlcsnap2011101218h20m36.png

    Já o pobrezinho do Adnan Afravian (Bashu) nunca mais atuou em filme qualquer. Para sustentar a família, hoje ele vende cigarros nas ruas Ahvaz.

    http://2.bp.blogspot.com/-U7Zma3iOF7A/TbfL7inulzI/AAAAAAAABD0/CWv0nnCAvTo/s1600/617463_orig.jpg

  2. Janaina Elias

    É verdade Fereydoun, a primeira vez que assisti esse filme fiquei impressionada com a beleza e o talento dessa iraniana gilaki. Espero conseguir assistir esse filme Balada que é de antes da Revolução de 1979, quando ela podia mostrar seus cabelos magnificos!

    É… infelizmente a vida não foi tão generosa com o talentoso menino Adnan, mas creio que ele ainda deve guardar no coração a memória de seu maravilhoso personagem junto com a estrela Susan Taslimi.
    Abraços!

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