Seyyed Hassan, “o Homem que vive sob as Estrelas”

A história de um morador de rua de Teerã.

Os trabalhadores sem-teto de Teerã constituem um fenômeno social desconhecido para muitos. A única coisa que sabemos sobre eles é que na maioria das vezes, são imigrantes afegãos, curdos ou aldeões de outras minorias étnicas que tentam uma vida melhor na capital do Irã enfrentando condições precárias de vida. Mas a intenção aqui não é abordar os problemas socias do Irã,  mas conhecer um personagem real chamado Seyyed Hassan, um desses trabalhadores, uma incrível história de vida que vale a pena ser lida.

Próximo à Avenida Chamrun, há uma pequena praça conhecida como “Parque dos Varredores de Rua”. Uma estátua de bronze de um varredor de rua, segurando uma vassoura, tem vista para uma piscina ornamental de água suja. À direita da estátua existem algumas bancos de pedra e em um deles um homem sem-teto está deitado. Mesmo com o tempo frio, ele está em um sono profundo sob o sol fraco de inverno. Em torno dele, estão os seus escassos pertences e um chapéu caído no chão. A fonte no meio da piscina não está funcionando. Um trabalhador do parque municipal com seu uniforme verde está debruçado esfregando a piscina com uma pequena escova. O morador de rua acorda, olha em volta, pega o chapéu, coloca-o sobre a cabeça, esfrega o seu rosto, e senta-se no banco.
Ele é Seyyed Hassan,  63 anos, estatura média, ombros largos, com os dentes superiores amarelados e sem os dentes inferiores. Seu rosto está coberto com uma barba branca. Ele raramente olha para você enquanto fala. Tem um rosto simpático, mas não há sorriso nele. As mãos são grandes e sujas, e há um anel de prata com uma conta de vidro em um dedo. Debaixo do seu casaco preto, ele está usando cinco ou seis camisas, um em cima da outra. Seu casaco empoeirado é abotoado até em cima e suas calças são de um branco sujo. Ele tem duas sacolas, uma pequena, e uma grande, envoltas com dois pedaços de lona. Estes são todos os pertences  de Seyyed Hassan.
Como se pode ouvir pelo seu sotaque, ele nasceu no bairro Galoobandak de Teerã. Trabalha como vendedor ambulante durante o dia, e dorme em parques da cidade à noite. Ele diz que vem para o
“Parque dos Varredores de Rua” duas ou três vezes por semana e conta como veio parar nas ruas: “A primeira vez que deixei minha casa eu tinha 14 anos e era um adolescente tímido, mas deixei nossa casa porque meus pais brigavam o tempo todo, e eu não agüentava mais. Eu passei o dia andando pelas ruas até anoitecer, não tinha um centavo no bolso, estava com fome e o tempo estava muito frio. Mas meu orgulho não me permitia voltar para casa. Cansado e com fome, eu me encolhi em um canto da rua , mas mal conseguia dormir por causa da fome e do frio.
“De manhã eu comecei a andar novamente, com frio e fome. Ao meio-dia, deparei-me com um vendedor de rua, que vendia sanduíches perto de uma escola. Eu estava perto de uma árvore do outro lado dele, sonhando em ter um de seus sanduíches. Uma senhora estava passando, olhando para mim, ela perguntou por que eu não tinha roupas suficientes naquele clima frio, mas não respondi. Ela perguntou se eu estava com fome. Baixei a cabeça e não respondi novamente. Ela perguntou se eu queria um daqueles sanduíches, e eu disse: ‘Não, obrigado! ” Mesmo assim, ela comprou um sanduíche e me deu. Eu tinha vergonha de aceitar o sanduíche. Ela insistiu, e também me deu dois tomans dizendo que era para eu voltar para casa. Eu não podia aceitar o dinheiro, mas ela colocou na minha mão mesmo assim. Eu esperei até que ela fosse embora, e então comecei a comer o sanduíche. Eu estava tão ansioso para comer o sanduíche que eu achei que tinha comido a nota de dois Tomans com ele também! Eu lembro daquele dia como uma das minhas melhores lembranças.“Soube que meus pais continuavam brigando. Eventualmente, encontrei alguns amigos, mas eles não poderiam preencher o lugar de meus pais. Sabendo da minha situação, alguns desses amigos realmente abusaram de mim. Acabei indo para a cadeia por causa de alguns deles. Eu fiquei realmente decepcionado, confiava neles e todos abusaram de minha confiança. Para ser um bom amigo, eu fiz tudo que podia para eles. O pior deles foi o meu melhor amigo que me deu um pacote para entregar, que depois descobri que continha drogas ilegais . Eu não conseguia entender por que eles estavam fazendo essas coisas. Por causa deles fui preso, mas todos eles disseram que não me conheciam. Uma vez, fomos para Shiraz, mas no meio do noite, roubaram meu dinheiro e meus pertences e me deixaram lá sozinho e eu tive que andar para Yazd, porque não sabia mais o que fazer. Eu estava tão envergonhado que  decidi ir a pé até Teerã. Na estrada, ajudei um homem que tinha um pneu furado, e ele concordou em me levar de volta para minha casa, em Teerã. Tudo isso aconteceu antes dos meus 30 anos.


“Quando fiz 30 anos, houve uma transformação em mim. Me tornei uma pessoa diferente. Foi como se eu nascesse de novo. O mundo passou a ter um significado diferente para mim. Eu percebi que se  fosse amigável com alguém acabaria por ser ferido novamente e percebi que o mundo está cheio de pessoas que deveriam ser gentis umas com as outras, mas elas não são. Ou seja, percebi que não conhecia mesmo este nosso mundo mas eu não queria me afastar dele, ao mesmo tempo que não estava disposto a fazer amizades com qualquer um também. E foi assim que eu escolhi  viver entre as pessoas , mas sem amigos e realmente não tenho porque reclamar. “
Seyyed Hassan não gosta de se misturar com as pessoas, por isso é difícil saber em que rua ele está em um determinado dia, e onde ele estará amanhã. Ele diz: “Se alguém quiser se aproximar de mim, peço-lhe para manter distância. Não é que eu não queira ser amigável, mas o significado da amizade mudou para mim. Eu não tenho muitos amigos, não confio em ninguém. Sempre que fico sozinho, penso em minhas filhas gêmeas. Eu converso com elas em minha solidão, como se elas estivessem sentadas ao meu lado, às vezes por horas e dias. “
Em 1985, durante a guerra de oitos anos entre Irã-Iraque, ele se casou com uma moça do norte. Por causa dos ataques de mísseis contra a capital, ela voltou para sua província natal para viver com seus pais. Seyyed Hassan retornou a Teerã, desistiu de sua casa de aluguel, e tornou-se um sem-teto. Ele costumava visitar sua mãe, que viveu em uma pensão depois de anos como operária da indústria têxtil, duas vezes por semana. Eventualmente, seu irmão insistiu para que ela se mudasse para uma casa de repouso em Kahrizak, mas ela morreu em 1995. Esta  foi  a mais amarga memória de Seyyed Hassan. Ele cortou o contato com seu irmão e se recusou a aceitar a sua parte da herança da venda da casa de sua mãe.
Seyyed Hassan fala de andar pelas ruas como um de seus doces-prazeres. Mesmo tendo frequentado a escola por apenas dois anos, seu domínio da língua é fenomenal. Ele diz que praticou as habilidades de leitura em sinais de trânsito e suas habilidades de fala, ouvindo atentamente as pessoas. Ele é muito educado e sempre diz ‘Olá’ aos transeuntes.
“Eles realmente não me incomodam, e estou feliz com isso. Muitos deles me evitam por causa da minha roupa, acham que podem ficar sujos. Mas eu os observo, ouço suas conversas, suas brigas e desavenças, descubro mais sobre seus problemas e dificuldades, mesmo sem perguntar-lhes. Infelizmente, não posso fazer nada por eles. Quem é que vai me ouvir? Eu gostaria de poder tomar alguns de seus fardos. Embora  tenho certeza que ficariam muito surpresos se me ouvissem dizer isso.”
Ele  trabalha vendendo brinquedos nas ruas e ganha cerca de 15.000 tomans por dia ($ 7 a US $ 10, dependendo da taxa de câmbio). Ele utiliza cerca de cinco mil para seu alimento, e economiza 10. No final do mês, ele envia essa quantia insuficiente para a sua família, no norte. Ele percebe que não é muito, mas ainda é de alguma ajuda para eles. Quando fala sobre sua família, ele olha para longe e fala muito calmamente.
“Todos os meses, vou visitar minha família. Eu os vi no dia 16 do mês passado, e eu não irei novamente até depois da celebração do Nowruz. Isso será mais três meses. Eu sei que há um monte de gente se visitando durante o Nowruz. Não estou dizendo que não gosto de convidados e familiares que se visitam. Você sabe que eles dizem que os hóspedes são o dom de Deus. Mas a  casa fica muito movimentada e cheia e eu gostaria de ir lá quando é mais silencioso, para que eu possa ver as minhas gêmeas em paz.  Elas tem nove anos de idade e vão para a mesma escola que sua mãe ensina. Ela é professora da primeira série, e as minhas gêmeas estão na terceira série.
“Eu também tenho dois meninos, o mais velho é muito parecido comigo, muito calmo, e não fala muito. Ele está fazendo o seu serviço militar. Desde cedo, ele ganha a própria vida. Ele faz esculturas de sucata e as vende. Minha esposa é uma verdadeira trabalhadora. Durante a primavera, entre março e junho, ela  trabalha em plantações de arroz de outras pessoas. Ela tem que ficar com água e lama até os joelhos, lutando com sanguessugas e outros parasitas na água, curvada para plantar arroz. Como salário, eles lhe dão o arroz que é colhido. E assim ela tem arroz suficiente para o resto do ano. Ela é um trabalhadora, que sozinha, criou os filhos, e foi como um pai para eles também. “
Quando ele vai para casa, fica apenas quatro ou cinco dias. Ele gosta de ver suas gêmeas, mas prefere viver nas ruas de Teerã . A esposa de Seyyed Hassan sabe que seu marido não tem uma casa em Teerã, mas ela não pode fazer nada senão aceitar esse fato. Agora que ele está velho, não há trabalho para ele, no norte. Seyyed Hassan diz que não tem problemas com sua situação. Embora sua vida seja realmente dura, ele é grato por não estar mendigando nas ruas. Ele pode enfrentar dificuldades, como o frio de hoje, mas vê isso como uma atenção especial de Deus para com ele. Ele diz que, quanto mais dificuldades enfrenta, mais agradece a Deus.
Desde que  foi roubado, ele recolhe seus pertences todos os dias e os carrega com ele. O roubo ocorreu há algum tempo. Como havia acontecido antes, alguns trabalhadores municipais lhe disseram para não retornar a um certo parque. Eles também proibiram-no de usar um armário próximo. Com a perda de seu inventário, ele teve que ir ao bazar e adquirir brinquedos a partir de seu fornecedor regular por parcelamento, de modo que ele tem algo para vender e viver. Agora ele anda pelas ruas de Teerã com sua sacola na mão e passa a noite em qualquer esquina. Ele odeia ser incomodado, e essa é a razão pela qual ele não fala com ninguém sobre sua vida. Até hoje, os trabalhadores da polícia municipal o deixam em paz. Eles não perguntam de onde ele vem, nem para onde ele vai. Ele segue seu caminho durante todo o dia e não pede a ajuda de ninguém.
Seyyed Hassan acompanha o noticiário do dia. Ele odeia as guerras e gosta de ver todos felizes e contentes. Deseja que a injustiça em todo o mundo pudesse ser erradicada. E diz que se pudesse nascer de novo, pediria a Deus para nascer como um guia,  para resolver os problemas das pessoas e dar-lhes de volta suas esperanças perdidas e felicidade. Embora ele não acredite em reencarnação.
Adaptado do artigo de Abi Mehregan, para o Tehran Bureau.

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