Quem foi o poeta Ferdowsi

Hoje, 15 de maio (25 de Ordibehesht, no calendário persa), é o dia que os iranianos celebram o Dia Nacional do poeta Ferdowsi, que é  considerado também o Dia da Língua Persa

Uma vida dedicada a uma obra prima 

Hakim Abol Qasem Ferdowsi Tousi, nasceu em Khorasan em um vilarejo perto de Tus (Nordeste do Irã), no ano de 935. Seu grande épico, o Shahnameh,”O Livro dos Reis”, ao qual ele dedicou a maior parte de sua vida, foi originalmente composto sob patrocínio dos príncipes samânidas de Khorasan, que eram os principais instigadores da revitalização das tradições culturais persas após a conquista árabe do século VII. Durante a vida de Ferdowsi esta dinastia foi derrubada pelos turcos Ghaznévidas, e há várias histórias em textos medievais que descrevem a falta de interesse demonstrada pelo novo governante de  Mahmoud de Ghaznavi, pelo trabalho do poeta Ferdowsi.

Diz-se que Ferdowsi morreu por volta do ano 1020 na pobreza e amargurado pela negligência real, embora confiante em sua fama e em seu último poema. O Shahnameh, além de ser um épico nacional é um dos grandes clássicos da literatura mundial que conta a saga dos heróis da antiga Pérsia. A forma e estilo com que o poeta descreve os eventos leva os leitores de volta aos tempos antigos e faz com que estes sintam-se vivenciando os eventos. Ferdowsi trabalhou durante trinta anos para terminar esta obra-prima e é considerado como o maior poeta persa que já viveu.

Estátua de Ferdowsi em Teerã

De acordo com o poeta Nezami (1141-1209), Ferdowsi era um dehqan (classe de fazendeiros aristocratas extremamente patriotas), de onde obtinha uma renda confortável a partir de suas propriedades. Ele tinha apenas uma filha, e foi para fornecer a ela um dote que ele se lançou à tarefa que o ocupou por mais de 30 anos (outras fontes contam que ele também teve um filho que morreu aos 37 anos a quem ele dedicou uma elegia que foi incluída no Shahnameh). 


O poema que reviveu a língua persa


O Shahnameh de Ferdowsi, um poema com cerca de 60.000 versos (o maior já escrito por um único poeta), é baseado principalmente em uma obra em prosa de mesmo nome e foi compilada no início da vida adulta do poeta em Tus, sua terra natal. Este Shahnameh em prosa era em grande parte a tradução de uma obra Pahlavi (Médio persa), o Khvatay-Namak, uma história dos reis da Pérsia desde os tempos míticos até o reinado de Khosrow II (590-628 EC), mas também continha material adicional continuando a história até a derrubada do sassânidas pelos árabes em meados do século VII.

O primeiro a realizar a versificação desta crônica da Pérsia pré-islâmica e lendária foi Daqiqi, um poeta da corte dos samânidas, que teve um fim trágico após completar apenas 1.000 versos. Estes versos, que tratam da ascensão do profeta Zoroastro, foram mais tarde incorporados por Ferdowsi, com confirmações devidas, em seu próprio poema. Uma característica importante deste trabalho é que, durante o período em que o árabe foi conhecido como a principal língua da ciência e da  literatura, Ferdowsi utilizou-se apenas do persa em sua obra-prima. Como diz o próprio Ferdowsi “a língua persa é revivida por este trabalho”. 


Ferdowsi e os poetas da corte Ghaznévida

Histórias que se contam sobre Ferdowsi 

Segundo a lenda, o sultão Mahmoud de Ghazni ofereceu a Ferdowsi uma peça de ouro para cada verso do Shahnameh. O poeta concordou em receber o dinheiro de uma só vez quando terminasse o trabalho pois, ele planejava usá-lo para reconstruir os diques de Tus, sua cidade. Depois de trinta anos de trabalho, Ferdowsi terminou a sua obra-prima, o Shahnameh,  em 1010, e foi apresentá-la a Mahmoud, que nessa época havia se tornado governador de Khorasan. 
De acordo com Nezami, Ferdowsi veio a Ghazni pessoalmente e através dos serviços do ministro Ahmad Ebn Hasan Meymandi foi capaz de garantir a aceitação do poema perante o sultão. Porém, infelizmente, Mahmoud  consultou certos inimigos do ministro que sugeriram como  recompensa para o poeta a desprezível quantia de  50.000 dirhams, e mesmo assim, ainda disseram que era demais, em vista de suas doutrinas xiitas consideradas heréticas na época. Mahmoud, um sunita fanático, foi influenciado por essas palavras, e no final Ferdowsi recebeu apenas 20.000 dirhams. Amargamente desapontado, ele foi para o banho público e, ao sair, foi tomar um gole de foqa (um tipo de cerveja) e acabou dividindo todo o dinheiro entre o atendente da casa de banhos e do vendedor do foqa
Temendo a ira do sultão, ele fugiu, primeiro para Herat, onde se escondeu por seis meses, e depois, pelo caminho de Tus, para Mazandaran, onde encontrou refúgio na corte de Shahreyar Sepahbad, cuja família reivindicava ser dos últimos descendentes dos sassânidas (a última dinastia pré-islâmica do Irã). Ali, Ferdowsi compôs uma sátira de 100 versos sobre o sultão Mahmoud que  inseriu no prefácio do Shahnameh e o leu  para Shahreyar, ao mesmo tempo, oferecendo-se para dedicar o poema a ele, como um descendente dos antigos reis da Pérsia, em vez de Mahmoud. Shahreyar, no entanto, convenceu-o a retirar a sátira a Mahmoud, e comprou-a pelo valor de 1.000 dirhams por verso. O texto integral desta sátira, tendo todos os sinais de autenticidade, sobreviveu até o presente. 
De acordo com a narrativa de Nezami, Ferdowsi morreu intempestivamente, assim como o sultão Mahmoud havia resolvido pedir desculpas ao poeta, enviando-lhe 60.000 dinares, mas quando a caravana levando o dinheiro chegou em Tus, reuniu-se um cortejo fúnebre: o poeta havia morrido. Nezami não menciona a data da morte de Ferdowsi. A primeira data determinada pelas autoridades é 1020 e a mais recente é 1026,  só se sabe ao certo que ele viveu  mais de 80 anos. 
Ferdowsi foi enterrado em seu próprio jardim, no cemitério muçulmano de Tus onde um governador Ghaznávida de Khorasan construiu um mausoléu sobre o túmulo que se tornou um local reverenciado. O túmulo, que havia entrado em decadência após séculos, foi reconstruído entre 1928 e 1934 sob as ordens do Xá Reza e agora se tornou o equivalente a um santuário nacional. 
Túmulo de Ferdowsi na cidade de Tus 

O Legado de Ferdowsi


Os persas consideram Ferdowsi como o maior dos seus poetas. Durante quase mil anos os persas continuaram a ler e ouvir recitações de sua obra-prima. É a história do passado glorioso do Irã, preservada no verso sonoro e majestoso. Apesar de escrito a cerca de 1.000 anos atrás, este trabalho é tão inteligível para os modernos falantes do persa quanto a versão do Rei James da Bíblia  para um moderno falante do inglês. A linguagem original é o Pahlavi, um  persa puro com  uma mistura mínima do árabe. 

– Encyclopædia Britannica

Depois do Shahnameh de Ferdowsi  uma série de outras obras semelhantes  surgiram ao longo dos séculos dentro da esfera cultural da língua persa. Sem exceção, todas essas obras foram baseadas no estilo e no método do épico, mas nenhum deles conseguiu alcançar o mesmo grau de fama e popularidade como a obra-prima de Ferdowsi.

Ferdowsi tem um lugar único na história persa por causa dos avanços que ele fez em revitalizar e regenerar as tradições linguísticas e culturais persas. Seus trabalhos são responsáveis por manter grande parte da língua persa preservada. A este respeito, Ferdowsi supera todos os outro poetas que viveram depois dele. Muitos iranianos modernos o consideram como o pai da língua persa moderna. Além do Irã, ele é reverenciado também no Afeganistão e no Tadjiquistão.

Ferdowsi  inspirou o Xá Reza Pahlavi na criação da “Academia de Cultura” no Irã, para tentar remover palavras em árabe e turco da língua persa, substituindo-as por alternativas adequadas em persa. Em 1934, o Xá  instituiu uma cerimônia em Mashhad,  na província de Khorasan para comemorar mil anos de literatura persa desde a época de Ferdowsi, intitulada Ferdowsi Millenary Celebration convidando notáveis ​​estudiosos europeus e iranianos. Em Mashhad, há uma universidade criada em 1949 que também leva o nome de Ferdowsi.
🔗 Fontes:  Iranchamber e Wikipedia
🔎 Saiba mais: Infelizmente ainda não existe nenhuma tradução do Shahnameh de Ferdowsi para o português. Deixo aqui sugestões de duas famosas traduções em inglês: 

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  📘 Shahnameh: The Epic of the Persian Kings
    Edição super luxuosa traduzida por Ahmad Sadri e ilustrado por Hamid Rahmanian  (2013)
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